Francisco Borba Ribeiro Neto | Set 06, 2020
Diferenças sempre haverá entre os brasileiros, mas a fraternidade e o amor cristão deveriam ajudar esse, que se orgulha de ser o maior país católico do mundo, a caminhar sempre mais para uma sadia unidade na diversidade
A universalidade (catolicidade) e a integração estão, por assim dizer, no DNA da Igreja Católica. Desde seus primórdios, os cristãos foram enviados por todo o mundo, anunciando o Evangelho (cf. Mc 16,15), reconhecendo que “não há mais grego nem judeu, serve ou livre” e que devem agir com justiça e amor uns para com os outros (cf. Cl 3, 8-25). Hoje em dia, o conhecimento etnológico, a sensibilidade moderna e uma certa ideologia anticatólica tentam apagar essa imagem, mas – no contexto de seu tempo e com as contradições inerentes a todo ser humano – os missionários católicos foram e continuam sendo agentes de um processo de integração cultural e de valorização de todos os povos.
Esse fato inegável da história do cristianismo é particularmente relevante para os brasileiros, quando celebramos mais um Dia da Pátria, no 7 de setembro, pois – apesar de tudo – sempre fomos uma nação dualista. São dois países que coexistem, na mesma nação, sob vários aspectos, o socioeconômico, o sociocultural, o político-ideológico.
Na terra da desigualdade
Nossa disparidade socioeconômica é bem conhecida. A renda média do 1% mais rico da população é 33,7% maior que a dos 50% mais pobres, segundo dados do IBGE. A riqueza e a pobreza, com suas consequências humanas e sociais, se distribuem também de forma desigual no território. Cidades como Florianópolis ou São Paulo têm Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) muito altos, semelhantes ao de Portugal, por exemplo, enquanto várias outras, pequenas e situadas geralmente no Norte e Nordeste, têm índices muito baixos, semelhantes aos dos países pobres da África. Apesar dos pesares, nosso desenvolvimento social e econômico nas últimas décadas foi significativo, mas permanece a desigualdade elevada.
Convivemos sem nos apercebermos com outra divisão, de caráter político-cultural. A mentalidade, de cunho iluminista, de nossas elites, historicamente desvalorizou o povo – considerado ignorante – e suas tradições culturais – consideradas retrogradas. Essa visão elitista permanece, no imaginário social, até hoje. Quem duvidar, veja a simpática, mas estereotipada, figura do Chico Bento, de Maurício de Souza. Por mais que ele seja o personagem principal da estória, permanece sonolento, com dificuldades de aprendizado e de adequação ao mundo moderno. No plano político, essa ideia se repete quando se diz que “o povo não sabe votar” ou que políticas sociais fazem com que os pobres não queiram trabalhar, por exemplo.
Como toda ação tem a sua devida reação, essa mentalidade se reflete – entre a maioria da população – nas ideias de que “todos os políticos são corruptos” e o bem comum é responsabilidade exclusiva do Estado. Além disso, é uma grande propulsora do populismo… Se as elites não se preocupam com o povo, consideram-no incapaz e o mantém longe do poder, só resta apelar para algum líder popular carismático, dotado de uma força superior, capaz de opor-se às elites.
A maioria dos países com elevado desenvolvimento econômico e boa qualidade de vida da população tiveram uma história bem diferente dessa divisão entre povo e elite. São países onde políticos e empresários perceberam que não haveria prosperidade sem inclusão e justiça social. Assim, bem ou mal, aconteceram grandes investimentos buscando igualdade de oportunidades e valorização dos trabalhadores mais pobres. Com isso, o perigo do populismo foi minimizado e o voto popular expressa muito melhor tanto as necessidades sociais quanto as perspectivas de desenvolvimento nacional.
Mais recentemente, uma nova divisão – essa político-ideológica – tem cindido o Brasil. Uma parcela, dita conservadora de direita, se opõe a outra, dita progressista de esquerda, numa espiral ascendente de polarização. Com isso, torna-se quase impossível pensar no que se convencionou chamar de um “projeto de Nação”, isso é, um consenso mínimo que orientasse governos, organizações sociais e lideranças políticas. Esses consensos distinguiriam as chamadas “políticas de Estado”, que se mantém independentemente do partido que está no poder, das “políticas de governo”, que mudam em função de quem vence as eleições.
Um exemplo dessa diferença entre as duas políticas – e das consequências maléficas de uma divisão político-ideológica que se sobrepõe aos interesses do bem comum – acontece na educação. Todos no Brasil, famílias, trabalhadores, empresários, políticos, reconhecem que a instrução escolar é fundamental para a melhoria de vida das pessoas e para o desenvolvimento do País. O Plano Nacional da Educação (PNE) seria o instrumento normativo que transformaria essa percepção generalizada em ações bem definidas, integrando as esferas federal, estadual e municipal. Apesar da universalização do acesso à escola, ao menos nos primeiros anos do aprendizado, vir se consolidando, se mantém a baixa qualidade e a evasão escolar elevada. O trabalho efetivo para superar as dificuldades, contudo, esbarra em tentativas de doutrinação, à esquerda e à direita, polêmicas ideológicas infrutíferas e falta de diálogo construtivo.
A pergunta que permanece…
Até quando seremos esses muitos dois Brasis? Diferenças sempre haverá entre os brasileiros, mas a fraternidade e o amor cristão deveriam ajudar esse, que se orgulha de ser o maior país católico do mundo, a caminhar sempre mais para uma sadia unidade na diversidade.