O brasileiro continua não se reconhecendo nas instituições políticas e se entregando a líderes carismáticos, de direita ou de esquerda, que prometem protegê-lo dos desmandos e da insensibilidade social dos poderosos
De forma um tanto precoce, a campanha eleitoral para presidente do Brasil já está nas ruas. Ainda é muito cedo para fazer previsões realistas, e as pesquisas contam muito mais como sondagens do humor popular. Nessa perspectiva, algumas pesquisas são muito ilustrativas da situação e da opinião dos brasileiros. Apesar de discrepâncias, elas indicam que Bolsonaro e Lula (não importa para a reflexão a seguir qual está em primeiro lugar) somam entre 60 e 70% do total de intenções de voto para o primeiro turno da eleição, enquanto nenhum dos outros candidatos chega a 10% das intenções (a maioria, a bem da verdade, não chega nem a 5%). Isso apesar das pesquisas também mostrarem alta rejeição tanto a Bolsonaro quanto a Lula. Ao mesmo tempo, outra pesquisa mostrou que a confiança da população nas instituições políticas, em particular no Executivo e no Legislativo, é muito baixa.
Em função desses resultados, cresce a demanda por um candidato dito “moderado” ou de “centro”, que tenha bom apoio político e baixa rejeição popular. Contudo, são frequentemente conclamações voluntaristas, que pedem, a outros, objetivos aparentemente pouco factíveis. Além disso, abundam nesses discursos adjetivos tais como populista, fascista, comunista, neoliberal – todos com forte conotação pejorativa e raras vezes usados com rigor e objetividade. Poucas vezes se analisa qual o real problema e quais os perigos envolvidos.
As elites que não representam o povo
A chamada “classe política” brasileira foi formada, tradicionalmente, a partir de lideranças locais, geralmente grandes fazendeiros ricos e suas famílias, que dividiam entre si o poder. Costumavam pensar o Estado não como “coisa pública”, mas sim como uma extensão de seus domínios, que compartilhavam entre si. Relações paternalistas e assistencialistas eram a única proteção do pobre, que dependia do poderoso local e era constrangido a apoiá-lo eleitoralmente. A própria ação do Estado chegava a uma região por meio dessas lideranças locais. A confusão das emendas ao Orçamento, que levaram ao recente escândalo do tratoraço, é um resquício dessa política: os aliados do governo ganham verbas, de forma pouco transparente, para beneficiar seus “currais eleitorais” e manter seu prestígio.
O desenvolvimento socioeconômico, ao longo do século XX, aumentou a presença de novos atores sociais no jogo político, como o operariado, a classe média urbana e os industriais. Assim, a disputa política ganhou maior complexidade e as regras do jogo democrático passaram a ser cada vez mais rígidas, tanto na teoria quanto na prática. Contudo, o acesso ao poder efetivo continua nas mãos de poucos. Não se trata mais apenas da aristocracia rural do passado, mas ainda são só os representantes do poder econômico ou de algumas poucas categorias sociais mais articuladas politicamente que conseguem disputar com sucesso as eleições.
Tanto as novas forças políticas quanto as tradicionais têm a mesma dificuldade de ver o mundo e o Estado a partir da realidade dos mais pobres e da busca pelo bem comum. Suas disputas políticas frequentemente parecem dizer respeito apenas a seus interesses individuais e corporativos, enquanto o governo continua falhando em sua missão de garantir qualidade de vida para todos. Vicejam o fisiologismo, o corporativismo e a corrupção. As regras e os mecanismos democráticos parecem não ser suficientes para que as instituições políticas cumpram o seu papel.
Nesse contexto, parece mais razoável, para os eleitores insatisfeitos com a ação do Estado, confiar em lideranças pessoais, que se mostraram seus defensores (seja essa defesa real ou aparente), do que nos políticos imbuídos de seu papel na estrutura institucional. O fato demonstrado pelas pesquisas acima citadas é que o brasileiro continua não se reconhecendo nas instituições políticas e se entregando a líderes carismáticos, de direita ou de esquerda, que prometem protegê-lo dos desmandos e da insensibilidade social dos poderosos.
As consequências da insensibilidade das elites
Errar é humano. Nas eleições, podemos nos enganar votando num corrupto que se apresenta como bem-intencionado, ou deixando de votar num candidato bem-intencionado por julgá-lo corrupto. Do mesmo modo, bons políticos podem tomar decisões erradas em determinadas situações. A aposta no líder personalista poderá se mostrar, no futuro, em função dos êxitos de seu governo, a mais adequada ou não. Papa Francisco lembra que existem verdadeiros líderes populares que podem prestar um grande serviço ao bem comum e aos mais desfavorecidos, mas também existem aqueles que buscam manipular o povo e servir-se dele para seus próprios interesses (Fratelli tutti, FT 159).
Contudo, a opção por esses líderes personalistas sempre vem cercada de dois perigos. Em primeiro lugar, o líder personalista tende a uma postura autoritária. Governa a partir de si mesmo e não a partir das relações institucionais. Com isso, quando erra, é mais difícil corrigi-lo. Faltam forças políticas para contrabalançar seu poder. Enquanto está tomando decisões justas e adequadas, esse problema não transparece. Mas torna-se trágico quando começa a errar. Além disso, ameaçado de perder o poder, tende a usar a força para se manter no governo – frequentemente recriando os mesmos comportamentos fisiológicos e corporativos que deveria combater.
Além disso, como trabalha a partir de sua sensibilidade e de suas ideias, não se esforça para melhorar o funcionamento das instituições. Apenas a utiliza em benefício de seu governo. Não colabora com o real desenvolvimento político nem da sociedade, nem das instituições, perpetrando um sistema político não condizente com o bem comum, independentemente das ações específicas que ele venha a tomar diante de dada situação.
Condenar essas lideranças personalistas, contudo, não é solução. Também, pouco adianta esperar grandes soluções a partir de conchavos políticos e jogos de interesse travados entre poderosos, que servem-se da democracia para uma disputa entre eles pelo domínio do Estado. A solução depende da consolidação de novas forças políticas, que olhem realmente o bem comum e que busquem o fortalecimento das instituições. É um caminho que demanda tempo, onde muitas vezes se avança dois passos e depois se regride um, mas um caminho possível e que, de fato, acontece. Pode ser mais rápido ou mais lento dependendo do empenho de cada um de nós pessoalmente e como grupos sociais organizados. É o caminho da “política melhor”, proposta pelo Papa Francisco (cf. FT 176-197).
Fonte: Aleteia