A Audiência Geral de hoje (29) foi na Sala Paulo VI. O papa Francisco continuou sua série de catequeses sobre a evangelização e o zelo apostólico.
Por causa de uma infecção nos pulmões, o papa Francisco não pôde ler o texto e foi substituído por monsenhor Filippo Ciampanelli, da Secretaria de Estado da Santa Sé.
Abaixo está a catequese completa do papa Francisco sob o título “O anúncio é para hoje”:
Prezados irmãos e irmãs!
Da última vez vimos que o anúncio cristão é alegria e é para todos; hoje vejamos um terceiro aspeto: é para hoje.
Quase sempre se ouve falar mal do dia de hoje. Certamente, com as guerras, as mudanças climáticas, a injustiça planetária e as migrações, as crises da família e da esperança, não faltam motivos de preocupação. De modo geral, a atualidade parece ser habitada por uma cultura que coloca o indivíduo acima de tudo e a tecnologia no centro de tudo, com a sua capacidade de resolver muitos problemas e os seus gigantescos avanços em tantos contextos. Mas, ao mesmo tempo, esta cultura do progresso técnico-individual leva à afirmação de uma liberdade que não quer dar limites a si própria e é indiferente aos que ficam para trás. E assim entrega as grandes aspirações humanas à lógica muitas vezes voraz da economia, com uma visão da vida que descarta os que não produzem e se esforça por olhar para além do imanente. Poderíamos até dizer que nos encontramos na primeira civilização da história que procura organizar globalmente uma sociedade humana sem a presença de Deus, concentrando-se nas grandes cidades que permanecem horizontais, mesmo com arranha-céus vertiginosos.
Vem-nos à mente a história da cidade de Babel e da sua torre (cf. Gn 11, 1-9). Nela, narra-se um projeto social que sacrifica toda a individualidade à eficácia do coletivo. A humanidade fala uma só língua – poderíamos dizer que tem um “pensamento único” – é como se estivesse envolvida numa espécie de feitiço geral que absorve a singularidade de cada um numa bolha de uniformidade. Então Deus confunde as línguas, ou seja, restabelece as diferenças, recria as condições para que a singularidade se desenvolva, reaviva o múltiplo onde a ideologia gostaria de impor o único. O Senhor também distrai a humanidade do seu delírio de omnipotência: «Criemos um nome para nós», dizem os exaltados habitantes de Babel (v. 4), que querem chegar ao céu, para se colocar no lugar de Deus. Mas estas são ambições perigosas, alienantes, destrutivas, e o Senhor, confundindo estas expetativas, protege a humanidade, impedindo uma catástrofe anunciada. Esta história parece realmente atual: ainda hoje, a coesão, em vez da fraternidade e da paz, assenta muitas vezes na ambição, no nacionalismo, na homologação e nas estruturas técnico-económicas que inculcam a persuasão de que Deus é insignificante e inútil: não tanto porque se procura mais conhecimento, mas sobretudo porque se quer mais poder. É uma tentação que permeia os grandes desafios da cultura atual.
Na Evangelii gaudium procurei descrever alguns deles (cf. nn. 52-75), mas sobretudo pedi «uma evangelização que ilumine novas formas de relacionamento com Deus, com os outros, com o ambiente e que suscite valores fundamentais. É preciso chegar onde se formam as novas narrativas e paradigmas, atingir os núcleos mais profundos da alma das cidades com a Palavra de Jesus» (n. 74). Em síntese, só se pode anunciar Jesus habitando a cultura do próprio tempo; e tendo sempre no coração as palavras do apóstolo Paulo sobre o hoje: «Eis, pois, o tempo favorável, eis agora o dia da salvação!» (2 Cor 6, 2). Por isso, não é necessário contrastar o hoje com visões alternativas do passado. Também não basta reafirmar convicções religiosas adquiridas que, embora verdadeiras, se tornam abstratas com o passar do tempo. Uma verdade não se torna mais credível porque se eleva a voz ao dizê-la, mas porque é testemunhada com a vida.
O zelo apostólico nunca é a mera repetição de um estilo adquirido, mas o testemunho de que o Evangelho está vivo para nós hoje. Conscientes disto, olhemos, pois, para a nossa época e para a nossa cultura como dom. São nossas, e evangelizá-las não significa julgá-las de longe, nem sequer estar na varanda a gritar o nome de Jesus, mas sair para as ruas, ir aos lugares onde as pessoas vivem, frequentar os espaços onde as pessoas sofrem, trabalham, estudam e refletem, habitar as encruzilhadas onde os seres humanos partilham o que faz sentido para a sua vida. Significa ser, como Igreja, «fermento de diálogo, de encontro, de unidade. Afinal, as nossas próprias formulações de fé são o resultado de um diálogo e de um encontro entre culturas, comunidades e instâncias diferentes. Não devemos ter medo do diálogo: pelo contrário, é precisamente o confronto e a crítica que nos ajudam a evitar que a teologia se transforme em ideologia» (Discurso na V Conferência nacional da Igreja italiana, Florença, 10 de novembro de 2015).
É necessário estar nas encruzilhadas do hoje. Abandoná-las empobreceria o Evangelho e reduziria a Igreja a uma seita. Frequentá-las, pelo contrário, ajuda-nos, a nós cristãos, a compreender de forma renovada as razões da nossa esperança, a extrair e a partilhar do tesouro da fé «coisas novas e coisas velhas» (Mt 13, 52). Em suma, mais do que querer converter o mundo de hoje, é preciso converter a pastoral para que ela encarne melhor o Evangelho no hoje (cf. Evangelii gaudium, 25). Façamos nosso o desejo de Jesus: ajudar os companheiros de viagem a não perder o desejo de Deus, a abrir-lhe o coração e a encontrar o Único que, hoje e sempre, dá a paz e a alegria ao homem.
Fonte: ACI Digital