A Caridade e a Iniciação à Vida Cristã (I)

O pouco de cada uma e cada um, em vista do bem comum. 

A música litúrgica ajuda os fiéis a traduzirem o conteúdo da fé que professam. Na reflexão anterior,[1] citamos maneiras de celebrar o Mistério Pascal de Cristo, desde a proclamação da Palavra, passando pelos ritos e símbolos, alcançando os gestos litúrgicos. Contudo, a semente da fé precisa encontrar terra fértil em cada pessoa para que os sinais do Reino de Deus se concretizem já neste mundo. Além de celebrar, queremos continuar nossa reflexão com o agir da fé, trazendo à reflexão alguns aspectos sobre a dimensão da caridade evangélica, ingressando no múnus régio-pastoral do Batismo. 

Em outras reflexões, expusemos a importância da Palavra de Deus e, posteriormente, da Liturgia, para a implantação de processos com inspiração catecumenal nas comunidades, paróquias e dioceses. Segue abaixo uma breve memória. 

A Palavra de Deus está relacionada ao Múnus da Profecia, exercido pelas atividades de formação e aprofundamento da fé. Podemos expressar tudo isso em uma palavra: catequese. Esta tem o papel de formar a fé dos crentes, ensinar a doutrina, corrigir as mentes da influência do pecado. A base de toda catequese é a Palavra de Deus, pela qual, filhos e filhas de Deus, diante dos sinais dos tempos, devem denunciar as injustiças e anunciar o caminho da paz, da justiça e do amor. 

A Liturgia está relacionada ao Múnus do Sacerdócio comum dos fiéis. O sacerdócio ministerial é conferido aos candidatos por meio do sacramento da Ordem, enquanto o sacerdócio comum é exercido por todas as pessoas batizadas na fé cristã. Pelo exercício da liturgia, em especial por meio dos sacramentos, os fiéis oferecem a Deus suas orações, seus louvores, suas súplicas e suas preces. A liturgia é uma constante doação, seja a doação dos dons seja a liturgia diária de doar-se no cotidiano, pautando a vida pelos critérios do Evangelho. A tarefa da liturgia é, portanto, o ensino de doar-se, em pessoa, na missão de santificar o mundo pelos gestos, sinais e atitudes mais comuns, para tal qual Jesus, passarmos pelo mundo fazendo o bem (cf. At 10,38). 

Agora, em Cristo, os fiéis leigos recebem tríplice missão no momento do batismo. Na unidade dos três múnus se compreende a missão batismal, a vocação à fé. Faremos, a seguir, breves acenos sobre o Múnus de Reger/Pastorear. Dele deriva a dimensão da Caridade, que está relacionada com o exercício do bem comum, da justiça social e da promoção da vida. 

Um antigo cântico de preparação das oferendas, da Campanha da Fraternidade de 1976, serve de inspiração para a nossa reflexão sobre o Múnus da Caridade:

Sabes, Senhor, o que temos é tão pouco pra dar.

Mas este pouco, nós queremos com os irmãos compartilhar.[2]

Também trazemos para este diálogo uma inspiração bíblica. A caridade evangélica é o centro do evangelho de João. Sabemos que João apresenta sinais da manifestação de Jesus. Não usa milagres, faz a opção de ensinar com os sinais do Messias. E, partindo do sinal no casamento em Caná, passando pelo sinal de domínio do vento em alto mar, culmina com o sinal da restituição da vida à Lázaro. O autor sagrado escreve ainda: “Restam muitas outras coisas feitas por Jesus. Se quiséssemos escrevê-las uma por uma, penso que os livros escritos não caberiam no mundo” (Jo 21,25). 

A autoridade investida pelo sacramento do batismo é singular no mundo, se faz pelo serviço e não pelo domínio e pela opressão. O Múnus da Caridade é o ministério mais difícil de ser explicado porque não é conceitual, não está nos livros. É o múnus que se revela nas atitudes, nos gestos, na maneira de se relacionar. A autoridade na fé usa a coroa e o manto do serviço às pessoas. 

Exercer o ministério de governar é um desafio. Na Igreja, o objetivo das atividades dos fiéis é anunciar a pessoa de Cristo, permitindo que mais pessoas conheçam o seu amor e a sua misericórdia. Neste sentido, a tarefa de lideranças e distintas coordenações não é colocar os critérios humanos em primeiro lugar. Mas, antes de qualquer decisão, olhar para os critérios de liderança do próprio Jesus.

O Múnus da Caridade revela o modo como nós nos relacionamos com o próprio Cristo. “É ele quem guia o seu povo, protege e corrige, porque ama profundamente” (Bento XVI, audiência de 25/05/2010). A caridade é, portanto, o critério de toda autoridade, de qualquer exercício de governo exercido no interior da Igreja. Pela caridade o mundo reconhecerá os discípulos de Jesus: “Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). 

Então, tendo por modelo o Mestre da Galileia, surgem como critérios da liderança cristã a qualidade de saber-se gestor do amor de Cristo, esponsal, livre e comprometido.

Esponsal porque na última refeição que teve com seus amigos e amigas, tomou jarro e bacia, cingiu os rins e lavou os pés de seus seguidores. Não pediu que lhe lavassem os pés. Apenas deu o exemplo (Jo 13,15) do quanto o pouco que fazemos pode ser muito para quem recebe.

Livre porque chega às últimas consequências, a ponto de entregar a própria vida, como pastor zeloso (Jo 10,18), mesmo após realizar inúmeros prodígios e sinais em obediência ao Pai (At 2,22), levado a morrer no trono da cruz porque defendeu a vida dos frágeis, pobres e esquecidos pela sociedade.

Comprometido com a realização do Reino de Deus, quando ensinava a fraternidade e alimentou a esperança. Afinal, não abandonou os discípulos após o final trágico das expectativas humanas, mas colocou-se ao lado durante o trajeto de Emaús (Lc 24,13-35) para recordar tudo o que já sabiam; e, permaneceu à espera, preparando o alimento, à beira do lago para oferecer comida aos trabalhadores de outrora. 

Assim, a caridade evangélica, ao lado da catequese e da liturgia, ensina que estar na Igreja, pertencer a um grupo, assumir alguma coordenação ou posição de liderança, é ouvir de novo, do Mestre da Galileia aquilo que sempre será o Mandamento Novo: “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12).

O pouco que fazemos por causa do Evangelho é muito para quem recebe.  

Ariél Philippi Machado 

(Catequista na Arquidiocese de Florianópolis (SC), teólogo e especialista em Iniciação à Vida Cristã)

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