Francisco: não penso em renunciar, nesse caso seria “bispo emérito de Roma”

Papa Francisco. Créditos: Pixabay

O Corriere della Sera antecipa algumas passagens do livro autobiográfico do Papa “Vida. A minha história na História”, escrito com o vaticanista Fabio Marchese Ragona e que será lançado em 19 de março pela HarperCollins. Em mais de 300 páginas, a vida de Jorge Mario Bergoglio, desde sua infância até os anos da ditadura na Argentina, o ministério em Buenos Aires até hoje: colocar-se a serviço dos mais frágeis “é o que todo homem de Deus, especialmente se estiver no vértice da Igreja, deve fazer”.

Em caso de renúncia, Francisco não seria Papa emérito, mas “simplesmente bispo emérito de Roma”, vivendo na Santa Maria Maior “para voltar a ser confessor e levar a comunhão aos enfermos”. É o próprio Pontífice quem esclarece o cenário possível em caso de renúncia que, no entanto, sublinha, “é uma hipótese distante” porque não existem “motivos tão graves” para fazer pensar a esta possibilidade, nunca levada em consideração “apesar dos momentos de dificuldade”. Esta é uma das principais passagens do livro autobiográfico do Papa Francisco intitulado “Vida. A minha história na História”, escrito com Fabio Marchese Ragona, vaticanista do grupo televisivo Mediaset. O livro será lançado no dia 19 de março nos Estados Unidos e na Europa pela HarperCollins e o jornal italiano Corriere della Sera antecipa nesta quinta-feira, 14 de março, alguns passos. Não há “condições de renúncia”, esta ainda é a indicação de Francisco, a menos que surja “um grave impedimento físico”, possibilidade que seria respondida por uma “carta de renúncia” depositada na Secretaria de Estado assinada por Bergoglio no início de seu pontificado. Uma eventualidade hoje remota porque o Papa, goza de “boa saúde e, se Deus quiser, ainda há muitos projetos a realizar”.

Genocídio geracional na Argentina

As mais de trezentas páginas retratam todos os aspectos da vida de Francisco, desde a relação com a família, especialmente com os avós, a emigração de seus parentes para a Argentina, em 1929, e a “pequena paixão” que viveu durante o período do seminário. “É normal, caso contrário não seríamos seres humanos. Eu já tinha tido uma namorada antes, uma jovem muito dócil que trabalhava no mundo do cinema que depois se casou e teve filhos. Dessa vez, eu estava no casamento de um dos meus tios e fiquei deslumbrado com uma jovem. Ela realmente fez minha cabeça girar por causa de sua beleza e inteligência. Durante uma semana, a imagem dela estava sempre na minha mente e foi difícil para mim rezar! Felizmente, isso passou e eu me dediquei de corpo e alma à minha vocação”, escreve o Papa no livro. No texto, Francisco fala também da II Guerra Mundial, com seu dramático epílogo atômico. “O uso da energia atómica para fins de guerra é um crime contra o homem, contra a sua dignidade e contra qualquer possibilidade de futuro na nossa Casa comum”, reitera mais uma vez Francisco, que levanta a importante questão de como podemos ser “defensores da paz e justiça se construímos novas armas de guerra”. As páginas percorrem a história da ditadura argentina, dos profundos laços de Bergoglio com quem não saiu vivo, de seu compromisso em acolher os jovens em situação de risco durante o regime do General Jorge Rafael Videla, e também da tentativa fracassada de salvar a sua professora Esther, que foi muito importante para a sua formação. O que aconteceu na Argentina “foi um genocídio geracional”, escreve novamente o Papa, que não deixa de se deter nas acusações feitas várias vezes a ele de ter sido de alguma forma conivente com a ditadura, desmentidas pela evidência de sua oposição “a essas atrocidades”. Francisco escreve sobre Ester, uma mulher “verdadeira comunista”, ateia “mas respeitosa” que “apesar de ter suas ideias, nunca atacou a fé. E ele me ensinou muito sobre política.” Uma recordação que oferece ao Papa a oportunidade, mais uma vez, de repetir que “falar dos pobres não significa automaticamente ser comunista”, pois “os pobres são a bandeira do Evangelho e estão no coração de Jesus”, e que “nas comunidades cristãs se partilhava a propriedade: isto não é comunismo, isto é cristianismo puro!”

A defesa da vida humana

O livro continua o seu percurso entre a árdua defesa da vida humana, “desde a concepção à morte”, onde o aborto “é homicídio”, praticado por “assassinos contratados, sicários”, e a prática do “útero de aluguel” é “desumana”, sem transcurar o capítulo do futebol, paixão do Papa, que escreve sobre Maradona, Messi, e fala porque não vê na TV os jogos da Argentina. As páginas percorrem o período que passou em Córdoba, de onde nasce a reflexão do Papa sobre os erros cometidos por causa de sua “atitude autoritária”, tanto que foi acusado de ser ultraconservador. “Foi um período de purificação. Eu estava muito fechado comigo mesmo, um pouco deprimido”, escreve.

A relação com Bento XVI

A renúncia de Bento XVI, o conclave sucessivo e a sua eleição como Pontífice, com a escolha do nome Francisco, são outro capítulo da autobiografia em que Francisco descreve a sua dor por ter visto a figura do Papa emérito “instrumentalizada”, “com propósitos ideológicos e políticos por pessoas sem escrúpulos”, e pelas consequentes “polêmicas” que “não faltaram em dez anos e fizeram mal a ambos”. “Vida. A minha história na História”, atravessa o momento da pandemia, relembra os apelos sobre a riqueza das culturas e das diferenças dos povos da União Europeia, com a esperança de que estes apelos sejam ouvidos pelo primeiro-ministro húngaro Orban, “para que entenda que há sempre uma grande necessidade de unidade”, e por Bruxelas “que parece querer uniformizar tudo, para que respeite a singularidade húngara”. No livro, Francisco aborda os temas para ele de grande interesse, como a proteção da criação dirigida aos jovens, pede-lhes que “façam barulho”, porque “o tempo está se esgotando, não nos resta muito para salvar o planeta”. A Igreja que Francisco imagina é uma “Igreja mãe, que abraça e acolhe a todos, mesmo quem se sente errado e quem foi julgado por nós no passado”, referindo-se aos homossexuais ou transexuais “que procuram o Senhor e que, em vez disso, foram rejeitados ou expulsos”. Francisco repete o seu sim às “bênçãos para os casais irregulares”, porque todos são amados por Deus, “especialmente os pecadores”. E se os irmãos bispos decidirem não seguir este caminho, não significa que isto seja a antecâmara de um cisma, porque a doutrina da Igreja não é colocada em causa”.

Homossexuais e uniões civis

E se o casamento homossexual permanece impossível, o mesmo não acontece com as uniões civis, porque “é justo que estas pessoas que vivem o dom do amor possam ter cobertura jurídica como todas as outras”. Como em outros momentos, as palavras de Francisco são uma recomendação para fazer com que as pessoas muitas vezes marginalizadas dentro da Igreja se sintam em casa, “especialmente aquelas que receberam o batismo e são, em todos os aspectos, parte do povo de Deus. E quem não recebeu o Batismo e deseja recebê-lo, ou quem deseja ser padrinho ou madrinha, seja bem-vindo”. O Pontífice não esconde as feridas que lhe são causadas por quem acredita que ele “está destruindo o papado”, e se há “sempre quem tenta frear a reforma, quem gostaria de permanecer preso nos tempos do Papa-Rei”, permanece o fato de que, embora “a do Vaticano seja a última monarquia absoluta da Europa”, e que lá “muitas vezes se fazem raciocínios e manobras de côrte, estes esquemas devem ser definitivamente abandonados”.

Fonte: Vatican News

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