O nosso empenho pelo bem comum deriva do encantamento pela pessoa de Jesus Cristo e de uma adesão consciente ao seu projeto de amor, de justiça e de paz.
Estamos refletindo sobre o tríplice múnus, isto é, sobre as três tarefas essenciais que herdamos ao assumir o batismo cristão. Seguimos nesta etapa alargando a compreensão da fé cristã e a responsabilidade com a vida em sociedade, por meio da reflexão dos princípios da Doutrina Social da Igreja.
Mas antes disso, façamos uma memória da última reflexão sobre o Múnus de Reger/Pastorear.[1] Sabe-se que o batismo nos torna filhos no Filho, cumulando-nos das heranças divinas (Rm 8,17). Ou seja, além de ensinar a fé, cada pessoa batizada é capaz de conduzir momentos litúrgicos para celebrar a fé em comunidade. E, a partir desta motivação orante, leva-se para a ação os princípios da fé, agindo no contexto em que se vive de acordo com os ensinamentos do Evangelho. E neste agir pela fé demonstramos o quanto é Cristo que habita em nós (Gl 2,20), nos convertendo constantemente para que o nosso querer individual não prevaleça nos momentos de decidir pelo bem da comunidade.
Por meio do Múnus da Caridade podemos desenvolver nossa autoridade evangélica. Autoridade que é serviço, entrega, compromisso. A liderança que é proposta pelo batismo está além de poder comandar, dirigir, coordenar. Batizar-se na fé cristã é saber viver de esperança, colocando os valores do Evangelho acima dos critérios pessoais, tendo a confiança de que Deus realiza em nós a sua obra e que nós somos trabalhadores em sua vinha (Mt 20,1-16).
Colaborando na obra divina, somos chamados a exercer nossa autoridade (do latim auctor?tas, auctor?t?tis), que deriva do termo autor (do latim auctus, particípio de augere). Por que entender a origem da palavra autoridade? Para explicar que somos capazes de fazer crescer nas pessoas a sua intimidade com Deus. Assim como os autores de livros, filmes e novelas são capazes de dar vida à personagens ao escreverem seus enredos, a missão de uma liderança no contexto da fé é ajudar as pessoas a pautarem suas escolhas iluminadas pelo Evangelho, assumindo em suas vidas as mesmas opções de Jesus Cristo. Somos autores e autoras na fé, capaz de formar Cristo nos fiéis (Gl 4,9).
Assumir um papel de liderança na Igreja é promover oportunidades de capacitação para que as pessoas sejam protagonistas nos ambientes em que vivem, na escola, no trabalho, no lazer, nos diferentes lugares que frequentam, transformando as estruturas sociais à luz da justiça e da caridade. Assim, nossa tarefa de liderar, coordenar e governar com base na caridade evangélica, torna-se instrumento para a conversão dos critérios de atuação de grupos pastorais e de pessoas. É preciso rever nossa escala de valores quando assumimos algum cargo na Igreja, pois nosso batismo precisa ser exercido como serviço de transmissão e educação da fé. Portanto, o Múnus de Reger/Governar pode ser explicado como a nossa capacidade de aprimorar nossos contextos de vida em sintonia com o Reino de Deus.
Quando as pessoas assumem com convicção em suas próprias vidas o projeto divino de salvação toda a comunidade, e por extensão a sociedade, acabam por adquirir um jeito novo de relacionar-se. Com o empenho dos cristãos e cristãs, de pouco em pouco, vemos germinar as sementes da vida em plenitude, que também podemos falar em ver crescer as sementes da santidade, nossa vocação batismal comum. Somos vocacionados a ser sinal e instrumento da santidade, a cumprir no hoje de nossas vidas as bem-aventuranças. Felizes os mansos, porque possuirão a terra (Mt 5,5).
Nas palavras do papa são João Paulo II, “a vocação à santidade aparece como componente inseparável de nova vida batismal e elemento constitutivo de sua dignidade” (Christifideles laici, 17). A dignidade da filiação divina é dom, graça a ser cultivada pelos fiéis leigos e leigas. Tal cultivo, porém, precisa alcançar as pessoas que não confessam a fé cristã, mas que estão vinculadas a nós pela dignidade humana.
O Diretório para a Catequese afirma: “A fé é certamente um ato pessoal e, todavia, não é uma escolha individual e privada; tem um caráter relacional e comunitário. O cristão nasce do seio materno da Igreja; a sua fé é uma participação na fé eclesial que sempre o precede” (DC 21). E porque a fé é necessariamente vivida em comunidade, a Igreja se empenha em transformar a “realidade social no seu conjunto: das relações interpessoais, caracterizadas pela proximidade e por serem imediatas, às mediadas pela política, pela economia e pelo direito” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 161).
Como contribuição para as relações sociais, com base na Escritura e na Tradição, a Igreja possui a Doutrina Social, fundamentada em três princípios: Bem comum, Subsidiariedade, Solidariedade. O objetivo deste ensino social da Igreja é contribuir para o discernimento do agir social à luz da caridade evangélica, para imprimir novo modo de conduzir sejam as relações interpessoais sejam as relações entre povos e nações. Criada com liberdade, dotada de razão e de livre-arbítrio, a pessoa humana é chamada a contribuir com a vida social. Somos corresponsáveis na edificação da sociedade, pois isto significa contribuir para a realização do Reinado de Deus. Temos, pois, a oportunidade para, diante dos problemas da vida em sociedade, contribuir de maneira nobre ou pobre. Por isso, precisamos compreender, aplicar e transmitir os princípios da Doutrina Social da Igreja de maneira orgânica e imparcial. Vamos conhecê-los:
Bem Comum: desejar o bem comum revela a nossa espiritualidade. Ou seja, o bem comum não é simplesmente a soma dos bens particulares, trata-se de um bem em nível moral, que nos impele a identificar as condições e ações conjuntas para a edificação da vida social pautada na justiça e fraternidade. Cada época da sociedade exige um grau de participação, discernimento e responsabilidade mútuas. É possível colaborar com o bem comum em nível pessoal com ações simples: economizando água, separando o lixo, olhando no olho das pessoas. E em nível social, o bem comum é a razão da comunidade política: promoção dos bens materiais e culturais, fomento da educação e da saúde, garantia da segurança. Desse modo, com o pouco de cada uma e cada um, colaboramos com o bem comum.
Subsidiariedade: a função deste princípio é proteger os menores (pessoas e organizações), de estratégias ou posturas abusivas de pessoas ou instâncias maiores. Por subsidiariedade entendemos o primado da pessoa humana na rede de relações sociais. Em outras palavras, é o modo da Igreja contribuir para relações humanizadas e humanizadoras em todos os âmbitos da sociedade.
Solidariedade: este princípio social está para ordenar as instituições para que evitem o pecado social, isto é, empenhem-se em converter as relações injustas, caso ocorram, nas instituições entre si e das instituições com pessoas. O princípio da solidariedade precisa ser praticado como uma virtude moral: antes de explorar, servir. Pela prática da solidariedade é possível perceber a interdependência que existe na humanidade e dela com a criação inteira, pois, enquanto seres finitos, temos desigualdades que precisam ser amparadas.
Em suma, a Doutrina Social da Igreja é um tema de estudos para a nossa agenda de catequistas e lideranças paroquiais. Os princípios sociais colocados em prática reforçam que o pouco que fazemos por causa do Evangelho é muito para quem recebe. O selo divino que recebemos no batismo precisa aparecer na sociedade por meio de obras de esperança, fazendo surgir um outro mundo possível, onde justiça e paz caminham abraçadas (Sl 85).
Ariél Philippi Machado
(Catequista na Arquidiocese de Florianópolis (SC), teólogo e especialista em Iniciação à Vida Cristã)
[1] A Caridade e a Iniciação à Vida Cristã (I). Disponível em: < http://www.catequesedobrasil.org.br/noticia/a-caridade-e-a-iniciacao-a-vida-crista-i–24042020-105528 >.