É possível rezar sem parar mesmo com a vida fragmentada e cheia de ocupações do mundo moderno, disse o papa Francisco aos peregrinos reunidos no pátio de São Dâmaso em sua catequese da quarta-feira, 9 de junho. No seu discurso, Francisco disse que a oração “não está em contraste com o trabalho diário”, mas antes “é o lugar onde cada ação encontra o seu sentido, o seu porquê, a sua paz”.
O papa mencionou Relatos de um Peregrino Russo, livro anônimo do século XIX que conta a história de um homem que queria aprender a “orar sem cessar”. Depois de peregrinar longas distâncias para falar com mestres espirituais da Igreja Ortodoxa Russa, o narrador aprende com um deles um método em que se reza ao ritmo da respiração.
O papa disse que também hoje se pode manter “o coração em oração” recitando orações curtas ao longo do dia. “É um convite, na verdade um mandamento, que nos é dado pela Sagrada Escritura. O itinerário espiritual do peregrino russo começa quando se depara com uma frase de São Paulo na Primeira Carta aos Tessalonicenses: «orai sem cessar, e, em todas as circunstâncias, dai graças»”, disse Francisco.
O peregrino “se questiona como é possível rezar sem interrupção, dado que a nossa vida é fragmentada em tantos momentos diferentes, que nem sempre tornam possível a concentração”, disse o papa. “A partir desta pergunta ele começa a sua busca, que o levará a descobrir aquela que é chamada a oração do coração”.
“Consiste em repetir com fé: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador. Uma oração simples, mas muito bonita. É uma oração que, pouco a pouco, se adapta ao ritmo da respiração e se estende ao longo do dia. Com efeito, a respiração nunca pára, nem sequer quando dormimos e a oração é a respiração da vida”.
O papa citou Evágrio do Ponto monge grego do século IV que afirmava: “Não nos foi pedido que trabalhemos, velemos e jejuemos constantemente, mas temos a lei de orar sem cessar”.
Francisco disse que o “coração em oração” ininterrupta “é um pouco como aquele fogo sagrado que se conservava nos antigos templos, que ardia sem interrupção e que os sacerdotes tinham a tarefa de manter vivo. Eis: também em nós deve haver um fogo sagrado, que arda continuamente e que nada possa extinguir”.
O papa citou São João Crisóstomo, que viveu no século V e foi um “pastor atento à vida concreta”. São João Cristósomo dizia que “é possível, mesmo no mercado ou durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa; sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a cozinhar”, disse Francisco.
Para o papa, a oração ”não está em contraste com o trabalho diário, não contradiz as muitas pequenas obrigações e compromissos, mas antes é o lugar onde cada ação encontra o seu sentido, o seu porquê, a sua paz”.
“Certamente, pôr em prática estes princípios não é fácil. Um pai e uma mãe, ocupados em mil afazeres, podem sentir saudade de um período da sua vida, quando era fácil encontrar tempos regulares e espaço para a oração. Depois, os filhos, o trabalho, as ocupações da vida familiar, os pais que envelhecem… Tem-se a impressão de nunca conseguir concluir tudo”.
O papa citou o exemplo do monaquismo cristão marcado pela intensidade de trabalho e oração na rotina dos monges. “O trabalho foi sempre realizado com grande honra, não só por dever moral de prover a si mesmo e aos outros, mas também por uma espécie de equilíbrio, um equilíbrio interior: é perigoso para o homem cultivar um interesse tão abstrato a ponto de perder o contato com a realidade. O trabalho ajuda-nos a manter-nos em contato com a realidade. As mãos juntas do monge contêm os calos daqueles que empunham pás e enxadas”.
“É desumano estar tão absorvidos pelo trabalho a ponto de não encontrar tempo para a prece”, disse Francisco.
Da mesma forma que o excesso de trabalho sem oração é prejudicial, também a “oração que esteja alienada da vida não é saudável”, disse o papa. “A oração que nos afasta da realidade do viver torna-se espiritualismo, ou, até pior, ritualismo. Recordemos que Jesus, depois de ter mostrado a sua glória aos discípulos no monte Tabor, não quis prolongar aquele momento de êxtase, mas desceu com eles do monte e retomou o caminho diário”.
“Assim, os tempos dedicados a estar com Deus reavivam a fé, que nos ajuda na realidade da vida, e a fé, por sua vez, alimenta a oração, sem interrupção. Nesta circularidade entre fé, vida e oração, o fogo do amor cristão que Deus espera de nós mantém-se aceso”, disse Francisco.
Antes de despedir-se dos presentes Francisco os encorajou a repetir ao longo do dia, a oração do nome de Jesus: “Senhor Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”.
Antes de retornar ao Palácio Apostólico o papa saudou os peregrinos de língua portuguesa: “Dirijo uma cordial saudação aos fiéis de língua portuguesa. Queridos irmãos e irmãs, neste mês de junho, dedicado ao Sagrado Coração, podemos experimentar na oração o convite a ter com Jesus, levando as nossas canseiras e dificuldades, para encontrar descanso e aprender d’Ele, que é “manso e humilde de coração”. Deus vos abençoe”.
Fonte: ACI Digital