Charles de Foucauld primou por dois grandes pontos: ser um irmão universal e sempre valorizar a possibilidade de estar em terras de missão
Arápida recuperação, sem sequelas, do jovem Charle, que, de uma altura de 16 metros, caiu sobre um banco de madeira e teve o corpo atravessado por um pedaço desse banco é o milagre de Deus que confirma, com a assinatura divina, a santidade de Charles de Foucauld, como vimos no artigo anterior.
Pois bem, o milagre para a canonização de Foucauld confirma o seu carisma, pois se deu em favor de um não cristão que se julga “sem fé”. Por que destacar isso? – Porque Charles de Foucauld primou por dois grandes pontos: ser um irmão universal e sempre valorizar a possibilidade de estar em terras de missão, especialmente entre os muçulmanos. Sim, é ele mesmo quem, em Bênni Abbês, escreve sobre como se sente enquanto irmão universal: “Eu quero acostumar todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus e idólatras, a me perceberem como seu irmão, como um irmão universal. Eles começaram a chamar a casa [de Charles de Foucauld – nota nossa] ‘a fraternidade’ (khauja, em árabe) e isto me deixa muito contente” (Jean-François Six. Charles de Foucauld: o irmãozinho de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 66).
O interessante é que o amor de Foucauld não é excludente, pois ama os soldados franceses que dominam a região e também os nativos locais dominados. Se excluísse um dos dois grupos, seu amor universal se tornaria mera hipocrisia ou luta de classes marxista. E isso é o que, anos mais tarde, a Irmãzinha Madalena de Jesus, uma de suas grandes seguidoras e fundadora das Irmãzinhas de Jesus, afirmará em vários de seus escritos: “Gostaria de amar a todos os seres humanos do mundo inteiro. Gostaria de colocar uma centelha de amor em cada recanto do mundo” (Irmãzinha Annie de Jesus. Irmãzinha Madalena de Jesus: a experiência de Belém até os confins do mundo. São Paulo: Cidade Nova, 2012, p. 51). Daí sai uma consequência prática para as irmãzinhas e para cada um de nós: “Há um obstáculo a evitar: o de dar todo o nosso amor aos pequenos, aos pobres, aos oprimidos, e ter pelos grandes e pelos ricos um olhar duro e indiferente. No Marrocos, se o amor de vocês se destina aos marroquinos, sem saber que, ao seu lado, alguns franceses sofrem, seu amor será parcial e incompleto […]. É difícil ter o coração aberto a todos os seres humanos. Vocês não têm mais o direito de excluir sequer uma só pessoa, senão o amor de vocês destrói-se em sua base de universalidade e o mal penetra em seus corações. Ele destruirá tudo” (ibidem, p. 97; cf. p. 141).
A respeito dos muçulmanos, nosso eremita – confirmando, uma vez mais, o seu desejo de fraternidade universal, sem renunciar à fé católica –, afirma: “Vou para o sul da província de Oran, até a fronteira do Marrocos, para uma das guarnições francesas sem sacerdote, viver lá como monge, em silêncio e retraído do mundo exterior, sem título de pároco ou capelão; como monge, em oração, e administrando os sacramentos. O objetivo é duplo: primeiro, impedir que os nossos soldados morram sem os sacramentos, nesses lugares onde a febre mata muitos e onde não há sacerdote perto. Segundo, sobretudo fazer o máximo possível de bem à população muçulmana tão numerosa e tão abandonada, levando até ela Jesus na Eucaristia, assim como Maria foi uma bênção para João Batista, levando Jesus até ele” (Charles de Foucauld: o irmãozinho de Jesus, p. 62-63). A Irmãzinha Madalena de Jesus, cinco anos após a morte de Foucauld, também desejava partir para a terra do Islã (cf. Irmãzinha Madalena de Jesus: a experiência de Belém…, p. 19). Seu desejo se realizou em 1939, quando, com outra irmãzinha, conseguiu chegar ao Saara “com uma roupa parecida com a das mulheres árabes, sobre a qual colocaram o coração e a cruz de padre de Foucauld, querendo mostrar assim que iam simplesmente para amar” (idem, p. 29). Para ela a caridade está acima de todas as regras (cf. ibidem, p. 37).
Eis a verdadeira fraternidade universal (que é católica, de kat’holon, pois abraça todo o universo) confirmada no milagre de Deus, por intercessão de Charles de Foucauld, em favor de Charle, o jovem gravemente acidentado, mas que se recuperou rapidamente e sem sequela alguma.
Fonte: Aleteia