Matéria de capa da revista Bote Fé número 31 abordou experiências da animação bíblica na vida e na pastoral, em diferentes realidades e por meios distintos. O tema central da 58ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada em abril de 2021, segue sendo refletido neste e no próximo ano. Confira o texto na íntegra:
A Bíblia na vida e na pastoral
A Igreja no Brasil tem investido sempre mais no fortalecimento das pequenas comunidades, que, a partir das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) para o período de 2019 a 2023, receberam o nome de Comunidades Eclesiais Missionárias. Para a formação desses grupos, as DGAE apontam como uma das atitudes a iluminação da vida com a Palavra de Deus, um dos quatro pilares da figura da comunidade-casa proposta no Documento 110 da CNBB.
A Palavra de Deus, portanto, é apresentada como primeira condição para que se concretize a proposta missionária da Igreja no Brasil, uma Igreja em saída que leva a Palavra de Deus. Na busca por reafirmar a importância da Bíblia e encontrar meios para alcançar esta proposta de gerar comunidades e discípulos missionários é que os bispos do Brasil se debruçam sobre a animação bíblica da vida e da pastoral durante a Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deste ano de 2020.
Brasil afora, são várias as iniciativas que favorecem a aproximação com a Palavra de Deus e a animação bíblica da vida e da Pastoral, desde os exercícios individuais da leitura orante da Palavra, passando pelos círculos bíblicos até as ações que se utilizam dos meios de comunicação, como rádio, televisão e internet.
O que é animação Bíblica da Vida e da Pastoral?
A Igreja fala em Animação Bíblica da Vida e da Pastoral porque a Bíblia, em primeiro lugar, deve transformar a vida, a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo, e levar a uma conversão pessoal. Na Pastoral, a Bíblia tem que entrar em todas as pastorais, não somente da catequese. Todas as pastorais têm que inserir esse contato, esse conhecimento com a Palavra de Deus através prática da Leitura Orante, por exemplo.
Leitura orante e círculos bíblicos
A Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB, em seu trabalho impulsionar a animação bíblica da vida e da pastoral e estimular a formação bíblica e a prática da Leitura Orante, retomou o projeto Lectionautas, uma página na internet que oferece roteiros diários para Leitura Orante da Palavra, voltado, principalmente, para o público jovem.
O subsídio, preparado por biblistas ligados à Comissão, deve ajudar pessoas e grupos a realizarem a Leitura Orante da Palavra de Deus com os quatro passos: Leitura, meditação, contemplação e ação.
Também a Edições CNBB oferece um roteiro de Lectio Divina para as pequenas comunidades que se reúnem ao redor da Palavra. O material possui comentários, orações e preces para todos os domingos do Ano Litúrgico, neste ano, baseado no evangelho de São Mateus.
Referencial da Pastoral da Pessoa Idosa, o arcebispo de Curitiba (PR) e presidente da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB, dom José Antônio Peruzzo, partilha que, mesmo com poucos recursos e um trabalho quase invisível, os 25 mil agentes em todo o Brasil “encontram energia, haurem forças” para o serviço de visita a muitos idosos mergulhados na solidão por meio da prática da leitura orante da Palavra. “E eu constato que a Palavra de Deus é uma das grandes potências evangelizadoras acerca da qual nós ainda não aprendemos o suficiente. Temos que ser humildes e dizer que os evangélicos nos ensinam aquilo que nós deixamos passar muitas vezes”, observa dom Peruzzo.
Na arquidiocese de Belo Horizonte (MG), desde 2015 as diretrizes da ação evangelizadora estão dentro do Projeto Proclamar a Palavra, no qual o anúncio da Palavra de Deus se dá em palavras e ações. “Precisamos ‘falar’ o evangelho, precisamos igualmente ‘viver’ o evangelho. É exatamente este anúncio, por palavras e por ações, que nos faz discípulos e discípulas em missão permanente”, lê-se no documento com as diretrizes para a ação evangelizadora no âmbito da arquidiocese mineira.
“O projeto de evangelização consiste em fazer chegar a cada coração, cada pessoa, em cada lugar mediando, iluminando e fecundando ações, tarefas, trabalhos, toda a vida humana, familiar, comunitária, eclesial e social pela força e graça da Palavra de Deus, num diálogo permanente com o Senhor, numa fonte de sabedoria que é a sua Palavra, sermos capazes de transformar o mundo pelo nosso testemunho para que o mundo se abra ao amor de Deus”, afirma o vigário da Ação Pastoral da arquidiocese de Belo Horizonte, padre Joel Maria dos Santos.
No processo de fortalecimento da ação pastoral por meio da animação bíblica, alguns resultados são verificados, como a busca crescente da centralidade da Palavra de Deus nas comunidades, instâncias e espaços da arquidiocese, onde “a Palavra de Deus vai sendo resgatada com um novo afeto, com uma nova dimensão, um novo comprometimento, com o despertar de uma nova consciência”.
A arquidiocese também instituiu o Ministério da Palavra para que cristãos leigos e leigas, após um processo de formação, possam atuar nos “campos de missão”, como as vilas e favelas, edifícios e condomínios, cemitérios, hospitais, escolas, entre outros ambientes.
Outro avanço, segundo padre Joel, é o crescimento da “força dinamizadora” dos círculos bíblicos: “As comunidades vão tomando consciência da importância desse espaço metodológico e pedagógico para um contato maior, acolhida, oração e reflexão a partir da Palavra de Deus”, partilha padre Joel.
Animação bíblica inculturada
Assessora da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética, Irmã Izabel Patuzzo tem uma experiência de favorecimento da aproximação da Palavra com povos originários da Amazônia. Junto com as outras integrantes da missão da Congregação das Missionárias da Imaculada (PIME), preparou manual de catequese na língua nativa dos índios Ticunas. O trabalho foi realizado na Comunidade Indígena de Vendaval, na paróquia São Francisco de Assis, em Belém dos Solimões, diocese do Alto Solimões (AM).
“Não havia nenhum material catequético que atendia à sua cultura, que pudesse conhecer, integrar a cultura na catequese, na liturgia”, conta a religiosa. O trabalho durou três anos para ser elaborado e contou com entrevistas com os anciãos, que resgataram o que chamam de “histórias sagradas”, passadas oralmente de geração em geração. “Nós missionários sentimos muito profundamente o desejo de não deixar que a cultura se perca, uma cultura que é muito rica. E há paralelos riquíssimos com a Bíblia, nas narrativas da criação do mundo, por exemplo”. O manual de catequese relaciona também a história de Abraão como Pai na fé do povo de Deus e de Ngutapa no povo Ticuna.
Esse diálogo com a cultura dos povos, reforça irmã Izabel, está destacado na exortação pós-sinodal do Papa Francisco, Querida Amazônia, numa busca por iniciativas que ajudam indígenas, de maneira particular, a entender as escrituras a partir da realidade deles. No documento, publicado em fevereiro deste ano, o Papa Francisco fala sobre inculturação, num contexto em que “ao mesmo tempo que anuncia sem cessar o querigma” a Igreja “não para de moldar a sua própria identidade na escuta e diálogo com as pessoas, realidades e histórias do território”.
Na prelazia de Itaituba (PA), a instituição de ministros da Palavra favorece a evangelização e a animação bíblica de forma inculturada, garantindo também as comunidades do povo Munduruku as celebrações da Palavra quando não há um padre para celebrar a Eucaristia. “Isso me enche de esperança, tenho certeza que a evangelização naquelas terras será muito eficaz”, contou o bispo local, dom Wilmar Santim quando fez a investidura de mais de vinte ministros.
Para dom Wilmar, a Igreja não pode se esquecer que os povos que estão na Amazônia não são só meros receptores do Evangelho, mas que eles tem o direito ao anúncio do Evangelho e de ouvir “que Deus os ama infinitamente como ama cada ser humano e que esse amor se manifesta plenamente em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado”.
Iniciativas nos meios de Comunicação
Os meios de comunicação, como espaços propícios para a animação bíblica, gestam Brasil afora várias iniciativas no rádio, na televisão, nos meios impressos e na internet.
Na rádio 9 de Julho, da arquidiocese de São Paulo (SP), o biblista Matthias Grenzer trabalhou durante dez anos com programas voltados para aprofundamento da Bíblia, como “Esperanças Bíblicas” e “Cultura Bíblica”. Mais recentemente, colaborou com a produção das Pílulas Bíblicas disponibilizadas pela CNBB no Mês da Bíblia a partir do texto-base de cada ano.
Na televisão, o presidente da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB, dom José Antônio Peruzzo, apresenta dois programas voltados ao tema na TV Evangelizar: “Leitura Orante da Palavra” e “Conhecendo a Palavra”, um programa com mais de uma hora de duração no qual ele explica os Evangelhos e livros da Bíblia. Neste ano está explicando o Apocalipse.
A Leitura Orante da Palavra pela televisão é uma iniciativa que eu não tinha visto antes e tinha muitas interrogativas e até reticências ao início. Mas, por insistência da direção da TV Evangelizar, eu comecei, com as incertezas, tendo bem presente que não é um círculo bíblico, não é uma leitura propriamente possível fazê-la comunitariamente. Todavia, impressionou-me, depois de começar, quanto cresceu o interesse pela leitura orante e pela Palavra. Nós precisamos ser mais ousados. Eu acreditava, mas não tinha constatado ainda quanto é eficiente a pastoral inspirada, embasada e sustentada pela bíblia, pela Palavra de Deus”, partilha dom Peruzzo.
O bispo destaca que, segundo dados do IBOPE, o programa Leitura Orante da Palavra chega a 500 mil pessoas em todo o Brasil. Já o programa Conhecendo a Palavra, que abre espaço para interatividade, recebe mensagens de vários estados do Brasil e também do exterior. “Há muita gente acompanhando porque quer conhecer a Palavra, é grande o interesse, e o povo de Deus está sedento de conhece-la. Os padres e bispos deveríamos oferecer muito mais tempo do nosso ministério a aproximar a Palavra do povo e o povo da Palavra”.
Cuidados
Nesse esforço da Igreja em utilizar dos meios de comunicação para levar a mensagem do Evangelho, alguns cuidados devem ser observados, de acordo com dom Peruzzo, que observa, às vezes, “que se fala mais da Igreja e menos da Palavra, que às vezes aparecem mais os midiáticos do que a Palavra na mídia”. É preciso favorecer um encontro com a Palavra, não somente multiplicar devoções e sacramentos, “o que não se pode perder, porque é um patrimônio precioso da nossa identidade”.
“Todavia, se a Palavra faltar, facilmente nós nos deixamos fascinar, às vezes entorpecer, mais por mensageiros do que por mensagens. Mais por mensageiros do que pela Palavra. Ou mais por afeições subjetivas do que pelo discipulado bem pronunciado e efetivo. A Palavra de Deus nos faz discípulos”, ensina dom Peruzzo.
Baixe a edição nº 31 da revista Bote Fé:
Dom Peruzzo fala da centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja no Brasil
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Fonte: CNBB