Ouvidos, todos temos, mas muitas vezes mesmo quem possui um ouvido perfeito não consegue escutar o outro
OPapa Francisco afirmou que “estamos a perder a capacidade de ouvir a pessoa que temos à nossa frente, tanto na teia normal das relações quotidianas como nos debates sobre os assuntos mais importantes da convivência civil”.
Em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, divulgada hoje, o Papa disse que “a partir das páginas bíblicas aprendemos que a escuta não significa apenas uma perceção acústica, mas está essencialmente ligada à relação dialogal entre Deus e a humanidade”.
O «shema’ Israel – escuta, Israel» (Dt 6, 4) – as palavras iniciais do primeiro mandamento do Decálogo – é continuamente lembrado na Bíblia, a ponto de São Paulo afirmar que «a fé vem da escuta» (Rm 10, 17). De facto, a iniciativa é de Deus, que nos fala, e a ela correspondemos escutando-O; e mesmo este escutar fundamentalmente provém da sua graça, como acontece com o recém-nascido que responde ao olhar e à voz da mãe e do pai. Entre os cinco sentidos, parece que Deus privilegie precisamente o ouvido, talvez por ser menos invasivo, mais discreto do que a vista, deixando consequentemente mais livre o ser humano.
Estilo de Deus
Segundo o Papa, a escuta corresponde ao estilo humilde de Deus. “Ela permite a Deus revelar-Se como Aquele que, falando, cria o homem à sua imagem e, ouvindo-o, reconhece-o como seu interlocutor. Deus ama o homem: por isso lhe dirige a Palavra, por isso «inclina o ouvido» para o escutar”.
O homem, ao contrário, tende a fugir da relação, a virar as costas e «fechar os ouvidos» para não ter de escutar. Esta recusa de ouvir acaba muitas vezes por se transformar em agressividade sobre o outro, como aconteceu com os ouvintes do diácono Estêvão que, tapando os ouvidos, atiraram-se todos juntos contra ele (cf. At 7, 57).
Colocar-se à escuta
Assim temos – prosseguiu o Papa –, por um lado, Deus que sempre Se revela comunicando-Se livremente, e, por outro, o homem, a quem é pedido para sintonizar-se, colocar-se à escuta.
O Senhor chama explicitamente o homem a uma aliança de amor, para que possa tornar-se plenamente aquilo que é: imagem e semelhança de Deus na sua capacidade de ouvir, acolher, dar espaço ao outro. No fundo, a escuta é uma dimensão do amor.
Por isso Jesus convida os seus discípulos a verificar a qualidade da sua escuta. «Vede, pois, como ouvis» (Lc 8, 18): faz-lhes esta exortação depois de ter contado a parábola do semeador, sugerindo assim que não basta ouvir, é preciso fazê-lo bem. Só quem acolhe a Palavra com o coração «bom e virtuoso» e A guarda fielmente é que produz frutos de vida e salvação (cf. Lc 8, 15). Só prestando atenção a quem ouvimos, àquilo que ouvimos e ao modo como ouvimos é que podemos crescer na arte de comunicar, cujo cerne não é uma teoria nem uma técnica, mas a «capacidade do coração que torna possível a proximidade» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 171).
Surdez interior
Nesse sentido, o Papa alertou para o problema da “surdez interior”.
Ouvidos, temo-los todos; mas muitas vezes mesmo quem possui um ouvido perfeito, não consegue escutar o outro. Pois existe uma surdez interior, pior do que a física. De facto, a escuta não tem a ver apenas com o sentido do ouvido, mas com a pessoa toda. A verdadeira sede da escuta é o coração. O rei Salomão, apesar de ainda muito jovem, demonstrou-se sábio ao pedir ao Senhor que lhe concedesse «um coração que escuta» ( 1 Rs 3, 9). E Santo Agostinho convidava a escutar com o coração (corde audire), a acolher as palavras, não exteriormente nos ouvidos, mas espiritualmente nos corações: «Não tenhais o coração nos ouvidos, mas os ouvidos no coração». E São Francisco de Assis exortava os seus irmãos a «inclinar o ouvido do coração».
Por isso, a primeira escuta a reaver quando se procura uma comunicação verdadeira é a escuta de si mesmo, das próprias exigências mais autênticas, inscritas no íntimo de cada pessoa. E não se pode recomeçar senão escutando aquilo que nos torna únicos na criação: o desejo de estar em relação com os outros e com o Outro. Não fomos feitos para viver como átomos, mas juntos.
Fonte: Aleteia