“É triste ver como o entusiasmo pela paz, surgido depois da II Guerra Mundial, se debilitou nas últimas décadas”
“É urgente devolver beleza ao rosto do homem, desfigurado pela guerra”, disse o Papa Francisco nesse sábado em seu discurso de chegada a Malta.
O pontífice evocou a imagem de uma bela estátua mediterrânica que remonta a séculos antes de Cristo. A estátua retrata a paz, Irene, como uma mulher segurando Plutão, a riqueza.
Recorda que a paz gera bem-estar, e a guerra só pobreza. E impressiona o fato de, na estátua, a paz e a riqueza aparecerem retratadas como uma mãe que segura um filho nos braços. A ternura das mães, que dão ao mundo a vida, e a presença das mulheres são a verdadeira alternativa à perversa lógica do poder, que leva à guerra. Precisamos de compaixão e cuidados, não de visões ideológicas e populismos, que se alimentam com palavras de ódio e não têm a peito a vida concreta do povo, da gente comum.
Ameaça de destruição
Há mais de sessenta anos, da bacia do Mediterrâneo para um mundo ameaçado pela destruição, onde ditavam lei as contraposições ideológicas e a lógica férrea dos alinhamentos, ergueu-se uma voz contracorrente, que contrapôs, à exaltação da própria parte, um salto profético em nome da fraternidade universal. Era a voz de Jorge La Pira, que disse: «A conjuntura histórica que vivemos, o choque de interesses e ideologias que abalam a humanidade a braços com um infantilismo incrível, devolvem ao Mediterrâneo uma responsabilidade capital: definir de novo as normas duma Medida onde se possa reconhecer o homem abandonado ao delírio e aos excessos» (Discurso no Congresso Mediterrânico de Cultura, 19/II/1960).
De fato, segundo o Papa Francisco, essas “são palavras atuais; podemos repeti-las, porque têm uma grande atualidade!”.
Quanto precisamos duma «medida humana» face à agressividade infantil e destrutiva que nos ameaça, frente ao risco duma «guerra fria alargada» que pode sufocar a vida de gerações e povos inteiros! Infelizmente, aquele «infantilismo» não desapareceu. Ressurge prepotentemente nas seduções da autocracia, nos novos imperialismos, na difusa agressividade, na incapacidade de lançar pontes e começar pelos mais pobres. Hoje é tão difícil pensar com a lógica da paz; habituamo-nos a pensar com a lógica da guerra. Disto começa a soprar o vento gelado da guerra, que esta vez também foi alimentado ao longo dos anos. Sim, desde há tempos que a guerra tem vindo a ser preparando com grandes investimentos e tráficos de armas. E é triste ver como o entusiasmo pela paz, surgido depois da II Guerra Mundial, se debilitou nas últimas décadas, bem como o percurso da comunidade internacional, com alguns poderosos que avançam por conta própria à procura de espaços e zonas de influência. E assim não só a paz, mas também muitas questões importantes, como a luta contra a fome e as desigualdades, foram efetivamente canceladas das principais agendas políticas.
Solução para as crises
Nesse sentido, o Papa disse que “a solução para as crises de cada um é ocupar-se das crises de todos, porque os problemas globais requerem soluções globais”.
Ajudemo-nos a auscultar a sede de paz das pessoas, trabalhemos por colocar as bases dum diálogo cada vez mais alargado, voltemos a reunir-nos em conferências internacionais pela paz, onde seja central o tema do desarmamento, com o olhar fixo nas gerações vindouras! E os enormes fundos que continuam a ser destinados para armamentos sejam aplicados no desenvolvimento, na saúde e na nutrição.
Olhando ainda para leste, gostaria por fim de dirigir um pensamento ao Médio Oriente, cuja proximidade se reflete na língua deste país, que se harmoniza com outras, como se quisesse recordar a capacidade que têm os malteses de gerar benéficas convivências, numa espécie de convívio das diferenças. Disto precisa o Médio Oriente: o Líbano, a Síria, o Iémen e outros contextos dilacerados por problemas e violência. Que Malta, coração do Mediterrâneo, continue a fazer palpitar a esperança, o cuidado pela vida, o acolhimento do outro, o anseio de paz, com a ajuda de Deus, cujo nome é paz.
Deus abençoe Malta e Gozo!
(Íntegra do discurso do Papa Francisco)
Fonte: Aleteia