Santo Agostinho já alertava: “Cuide do seu corpo como se fosse viver para sempre e da sua alma como se fosse morrer amanhã”. Veja aqui:
“Passado é passado” – a máxima inserida no senso comum e que norteia a vida de muitas pessoas ao redor do mundo pode ser entendida como uma espécie de falta de comprometimento do ser humano perante as suas atitudes e, ao mesmo tempo, um método de guiar a vida sem se atentar ao que foi, ao que é e ao que, fatalmente, será. Ou seja, nega-se o ontem a fim de viver um hoje sem máculas e não atento ao amanhã, uma vez que o estabelecimento de limites pressupõe uma sensatez que não é muito convidativa ao modus pensandi da atualidade.
A aporia se manifesta na medida em que o indivíduo sente a quase necessidade de se encontrar em algum estado do tempo – passado, presente e futuro, para então buscar alcançar alguma solução lógica de suas atitudes, ou até mesmo de sua existência. É como se ao se enquadrar em alguma camada temporal, o inexplicável se tornasse mais acessível à compreensão humana, fazendo com que a psique conseguisse assimilar a lógica de alguns fatos ao longo da vida.
Há os que se fixam ao passado e dele não saem, vivem com os olhos naquilo que não podem mais modificar e passam o restante da vida a lamentar por escolhas e atitudes tomadas. Há os que se projetam no futuro a todo o instante e transformam a futuridade na grande aflição do cotidiano. Há, entretanto, aqueles que vivem o hoje como se tivessem nascido agora e fossem morrer nesse mesmo instante, deixando as angústias do ontem de lado e sem as preocupações do futuro que pode até nem se concretizar.
O aqui e o agora
Talvez o leitor, ao ler a exposição desses três tipos de comportamento humano acerca do tempo, vá, fatalmente, presumir a melhor: o terceiro grupo! Viver o aqui e agora! É o que a filosofia contemporânea mais sugere e, existem, de fato, suas bases teóricas que justificam tal atitude. Mas se analisarmos como verdadeiros cristãos, todos esses três modelos não são padrões no caminho da verdadeira santidade.
A compreensão do todo sempre foi algo inalcançável ao homem e as tentativas de explicação do mundo; do tempo; do cosmo; do próprio indivíduo e também de Deus, levaram à fragmentação teórica a fim de obter a consciência das partes para que, desta forma, o entendimento articulado e agregado pudesse servir de resposta para as mais complexas perguntas da humanidade. Tal fato foi movendo o homem a um cientificismo que, em muitos casos, levava à anulação do verdadeiro Mistério, e como discípulos que somos, negar esse Mistério é negar a potência do inalcançável poder da fé.
Sim, o passado existe. Sim, vivemos no presente e sim, se for da vontade de Deus, teremos um futuro. Nada dessa frase pode ser negado, então por que repelir o ontem? Por que existe a necessidade de o esquecer se somos construídos e erguidos a partir dele? Temos em nós uma carga a transportar e não há nada que mude isso. Encare a cruz, pegue-a e siga. Mas o problema é quando nosso olhar só consegue se fixar no ontem sem o vislumbre do agora.
A memória
A memória, que tanto os escritores da Antiguidade se vangloriavam em tê-la e, inclusive, colocava-a na categoria de musa, é uma grande ferramenta da nossa mente, mas pode ser bastante perigosa se dependermos dela única e exclusivamente. O ser humano é capaz de revisitar um mesmo fato passado várias vezes e cada uma com interpretações diferentes. Qual, portanto, era a verdadeira? Como o fato realmente ocorreu?
Não se trata da tentativa infundada de modificar o passado ou, ainda pior, aniquilá-lo; trata-se de entendê-lo e ressignificá-lo, colocando as perguntas necessárias dos acontecimentos para que no hoje seja possível respondê-las. Eis uma verdade triste de admitir: a mente humana é falha, e as visitas ao passado dependerão da construção da consciência e entendimento do indivíduo de hoje, portanto, nem todo momento é interessante virem à mente algumas lembranças porque para ressignificar o passado é necessário ser um novo eu no presente.
E nesse presente não se deve se fixar apenas no aqui e agora como se as atitudes não reverberassem no nosso amanhã ou até mesmo no hoje de outrem. É um egoísmo viver apenas para si, acreditando que o que importa é ser feliz. É um pensamento raso que extingue o chamado a mergulhar em águas mais profundas. E justamente também por esse chamado é que o grupo dos que só pensam no futuro acaba por morrer na areia. A prudência é um atributo que deve ser semeado, mas não deve ser confundido com a covardia. Santa Teresa Benedita da Cruz, também conhecida como Santa Edith Stein, mártir da época do regime nazista, afirmava o seguinte: “coragem é ir com medo”.
Vítima do ontem
Tornar-se vítima do ontem lhe transporta a uma prisão perpétua na qual nada mais pode ser feito e a condenação eterna é imposta pelo próprio prisioneiro. Viver o hoje sem projetar o amanhã é não querer sequer adentrar ao paraíso que o espera; mas também só pensar única e exclusivamente no futuro é não ser protagonista da sua história e deixar a única oportunidade que há de se santificar em poderio do acaso.
Como cristãos somos chamados a viver o hoje, fazendo uso da sensatez ao olhar para o passado, mas fincados na esperança do futuro, porque não se deve ter a ideia de fragmentação do tempo, mas de confluências e afluências que nos trouxeram até aqui. Não é quebra, não é divisão, o mistério é um único, indivisível e singular!
Santo Agostinho já alertava: “Cuide do seu corpo como se fosse viver para sempre e da sua alma como se fosse morrer amanhã”. A vida é um presente de Deus, restabelecido em um passado através de Seu único filho para a eterna aliança que se manifestará em maravilhas em um futuro no céu. Portanto, é necessária a reconciliação do seu ontem, para que o seu hoje esteja pronto a combater o verdadeiro combate para o amanhã celestial.
Fonte: Aleteia