Jostein Gaarder é o autor do livro “O mundo de Sofia”, onde ele procura ensinar filosofia de um modo criativo para que até as crianças entendam e se interessem. No mesmo estilo ele escreveu também o livro “Ei! Tem alguém ai?”, onde as idéias são apresentadas na conversa de um menino com um extra-terrestre que ele encontrou no quintal e que queria entender nosso planeta. Uma cena chama bem a atenção: o extra-terrestre vê uma galinha e, surpreso, pergunta o que é aquilo. O menino diz que é ‘uma galinha comum” e outro se espanta porque, para ele, não há nada “comum” num animal assim. Então, o autor comenta que, com o visitante, o menino aprendeu que nada é “comum”. Às vezes as pessoas dizem que tiveram “um dia comum”, mas cada dia é diferente, especial. Pior ainda, seria falar num menino ou numa menina “bem comum”. O autor diz: “é o tipo da coisa que a gente diz quando não quer se dar ao trabalho de conhecer melhor as pessoas”.
Na catequese, e em todos os nossos relacionamentos, não lidamos com pessoas “comuns”, iguais, sem novidades. Cada um é especial, diferente em suas experiências, necessidades e potenciais. Então vale muito a pena ouvir cada pessoa. Nosso Criador não fabrica pessoas como quem faz “cópias xerox”, nem a vida proporciona experiências exatamente idênticas mesmo a gêmeos que parecem tão semelhantes. Essa diversidade é um campo de crescimento nas relações humanas, mesmo quando nos vemos diante de situações que precisam ser corrigidas. Não aprenderíamos nada uns com os outros se fôssemos todos iguais.
Diante disso, são importantes duas atitudes que devem ser cultivadas quando queremos ser catequistas:
1) Conhecer bem de perto as pessoas que fazem parte desse trabalho ( os catequizandos, nossos colegas catequistas e outros membros da comunidade), tanto para valorizar os dons de cada um como para atender a necessidades diferentes e não perder a oportunidade de crescer na sabedoria que nos faz compreender melhor a vida.
2) Ter um planejamento flexível, com espaço para a criatividade necessária diante das necessidades específicas de cada pessoa e para incorporar o que vamos aprendendo ao lidar com situações diferentes e ao descobrir caminhos novos que brotam das experiências que vamos desenvolvendo no trabalho catequético e em nossa própria vivência espiritual.
Isso não significa que vamos abandonar práticas recomendadas pela Igreja e que já se mostraram importantes e necessárias. Mas é um alerta para que a nossa catequese não se torne rotineira e não seja um processo onde os regulamentos desconsiderem as necessidades e as características de cada pessoa. Podemos lembrar exemplos do Evangelho, onde o próprio Jesus, um judeu que valorizava a tradição religiosa de seu povo, abre excessões indo ao encontro da samaritana e de muitos outros que eram rejeitados na sua sociedade. Os próprios apóstolos e as primeiras comunidades mostravam sinais de diversidade, sem perder a fidelidade ao essencial da mensagem de Jesus.
Ao lidar com as diferenças, às vezes até nos vemos diante de situações em que percebemos no outro erros que deveriam ser corrigidos. Não vamos, é claro, concordar com tudo, nem entregar os sacramentos a quem não está em condição de recebê-los. Mas até na hora de corrigir caminhos precisamos buscar linguagens e atitudes que não levem à rejeição de quem não está cabendo dentro do esquema que estamos acostumados a seguir; teremos que deixar portas abertas que permitam que a pessoa perceba que Deus ainda espera dela coisas boas. Cada pessoa deve se sentir acolhida e respeitada na sua individualidade. Se tivermos algo a censurar, podemos dizer isso de forma delicada e estimulante, sem ar de rejeição. Em vez de afirmar simplesmente “Você está errado e não pode ficar aqui”, não seria melhor dizer algo do tipo: “sabemos que você está tendo dificuldades mas vamos procurar juntos meios de resolver isso porque Deus quer você crescendo conosco”?
Embora tenhamos muitos “manuais de catequese”, úteis e importantes, precisamos perceber que algumas situações exigem abordagens diferentes. Por exemplo: o tipo de família, de situação social, de instrução que cada grupo tem vai exigir uma bordagem específica. Uma criança com experiências familiares traumáticas precisa de conversas especiais para lidar com essa situação. Alguns vão precisar de algo que faça crescer sua auto-estima; outros talvez precisem aprender a ser mais humildes.
Em todas as situações, é importante saber com quem estamos lidando e apresentar caminhos de esperança para que cada um perceba, através da nossa atenção, que Deus não desiste de seus filhos e que ser cristão é um meio poderoso de vencer dificuldades e ter uma vida mais construtiva. O amor fraterno nos mostrará com certeza bons caminhos para atender a cada um de acordo com suas necessidades e suas potencialidades.
Percebemos que a catequese é uma oportunidade de viver a emocionante experiência de conhecer melhor quem nos procura, de ensinar e aprender, de atender com sabedoria e amor pessoas e situações diversas?
Therezinha Motta Lima da Cruz
Ex-assessora nacional de catequese, escritora de vários livros de catequese e ensino religioso.