Jornal, Correio da Semana, da Diocese de Sobral.
Ontem (dia 27 Abr 2001), estiveram reunidos, no Centro Pastoral Dom Mota, em Sobral, representantes das equipes pastorais do dízimo de quase todas as paróquias da Diocese. O encontro, promovido pelo Instituto de Teologia e Pastoral (ISTEP), sob a coordenação de Mons. Valdir Lopes de Castro, Pároco de Marco, tinha por finalidade refletir e partilhar experiências sobre a implantação do sistema de dízimo como nova forma de sustentação das atividades da Igreja pelos fiéis. Foram vistos os aspectos teóricos e operacionais desta nova pastoral da Igreja, assunto do interesse de todos.
O dízimo, de fato, é um dos temas eclesiais bem presente na reflexão da Igreja do Brasil, desde 1967. Mas, apesar de sua divulgação, muita coisa ainda é desconhecida entre nós, dada a falta de uma tradição, senão mesmo em razão de omissão por parte dos responsáveis pela sua implantação. Já decorreram dois anos desde que a Diocese decidiu pela implantação do dízimo e, no momento, ainda há Paróquias que só muito timidamente começaram o trabalho de conscientização dos fiéis.
A desinformação ainda é uma constante. Há poucos dias, dei carona a duas jovens na rodovia que liga Acaraú a Morrinhos. Iam à ultima cidade vender salmos que tinham escrito em cartões artísticos. Anteriormente tinham sido católicas, mas agora eram evangélicas. Perguntei-lhes se estavam vendendo para a sua igreja ou para elas mesmas. “Para nós mesmas”, responderam. “A igreja nós damos 10 por cento do que arrecadamos; é o nosso dízimo. Nossos pais também fazem assim”. E perguntei-lhes: “Quando vocês eram católicas, vocês também contribuíam assim com a Igreja?” “Não – disseram elas – por que os padres não ensinam isso à gente…”
Foi uma lição para mim: os padres não ensinam isso… EM DIA COM A IGREJA ouviu o coordenador do Encontro, Mons. Valdir Lopes de Castro, pároco em Marco, a primeira paróquia da Diocese a implantar o dízimo, há muitos anos, e traz para seus leitores uma parte de sua entrevista:
Em dia – Qual o fundamento bíblico do dízimo na Igreja?
Mons. Valdir– No Antigo Testamento, o dízimo veio pela própria revelação da essência de Deus. De maneira bem simples, o Gênesis fala da vida de Deus, como ele é, como Deus age, como trata a gente, e o povo foi percebendo que Deus é amor. Embora que isto não esteja bem claro no Antigo Testamento. Mas fala, sobretudo, que nós devemos agradecer a Deus o que a gente recebe. Devemos dar uma resposta. Uma retribuição.
Em dia – Por que a Diocese de Sobral só agora está programando a implantação do dízimo?
Mons. Valdir– Estamos vivendo através do lançamento do sistema do dízimo uma consequência do que se vive hoje na Igreja. Uma Igreja que é comunhão, solidariedade, que quer criar uma cultura de partilha, de bem comum e participação.
Em dia – Na história da Igreja, nos primeiros tempos, havia dízimo?
Mons. Valdir– A Igreja viveu, no comecinho das primeiras comunidades uma “lei” do dízimo até melhor do que a lei do dízimo antigo que a gente conhece. Lendo os Atos dos Apóstolos observamos que a comunidade vivia da partilha, da solidariedade: “não havia necessitados entre eles”. Havia repartição. Neste sentido, podemos dizer que, já no início, tinha dizimo.
Em dia – As taxas que os fiéis pagam hoje, na Igreja, já não são uma forma de dar o dízimo?
Mons. Valdir– Conheço estudos de pelo menos um teólogo que mostrou que as taxas, as esportulas, como dizemos, são de fato uma modalidade de dízimo, mas depois que li outros artigos sobre o mesmo tema, cheguei a conclusão de que este tipo de dízimo não cabe mais na Igreja. Sei que há o mandamento, como diz o catecismo: “pagar dízimo segundo o costume”, mas, embora não seja o pensamento da Igreja, na cabeça do povo, com as taxas, a ideia é mesmo de pagamento dos sacramentos, e isto não é educativo, nem bíblico.
Em dia – A comunidade não vai entender o dízimo como a cobrança de mais um imposto?
Mons. Valdir– Acontecerá isto, de fato, se a gente não cuidar de educar o povo para o dízimo. Pois é verdade que muita gente age de maneira a vermos que sentem que estão pagando um imposto, que até lhes custa, pois terão que pagar todos os meses. Daí a necessidade de esclarecer, para tirar a ideia de que é uma esmola, um imposto ou coisa parecida. Depois, é bom lembrar que, implantando o dízimo, não estamos dizendo que a pessoa vai dar 10 por cento. O quanto vai dar é a pessoa que decide.
Em dia – O que vai garantir aos fiéis que o que for arrecadado, no dizimo, vai mesmo ser aplicado a serviço da comunidade?
Mons. Valdir– Faz parte da organização do dízimo a divulgação e transparência total junto á comunidade, de tudo o que é arrecadado e aplicado. É condição indispensável para a confiança dos contribuintes. É bom lembrar que dízimo não tem por finalidade única prover o sustento dos ministros da igreja, como pode parecer à primeira vista. O dizimo tem, pelo menos, três dimensões que devem ser atendidas: a dimensão religiosa, a missionária e a social. Em cada uma há carências a atender.
Em dia – Quem deve estar à frente da organização do dizimo em uma paróquia?
Mons. Valdir– Os leigos. É necessária a formação de uma equipe de missionários do dízimo. São eles que vão garantir a organização e o funcionamento do sistema, pois se é necessário ter um controle central de tudo, há necessidade também de colocar mais perto dos que contribuem a possibilidade de entregar sua contribuição. Não fica bem, nem o padre teria tempo para coordenar tudo. E quem já implantou o dizimo sabe como os leigos são disponíveis e interessados neste trabalho.
Em dia – Quem paga o dízimo vai se chamar dizimista. Haverá até missas para os dizimistas. Não e isto mais uma forma de discriminação, de exclusão daqueles que não entrarem na prática de pagar os dízimos?
Mons. Valdir– A pergunta vem como uma advertência. E bom ter cuidado para isto não acontecer. Mas, acho que, teoricamente, não é assim. E é bom a gente não ficar vendo “fantasma” em tudo, pois, do contrário, a gente não vai fazer nada mesmo.