Edifa | Set 15, 2020
Abençoar sua casa pode ser uma boa maneira de estabelecer verdadeiros marcos e abrir as portas para que o Senhor faça parte do seu novo lar
“Sempre que nos mudamos, pedimos para um padre abençoar nosso apartamento. É uma boa oportunidade para agradecer a Deus pelo nosso lar e para colocar sob sua proteção tudo aquilo que neste lugar iremos viver, além de todos que aqui serão acolhidos”. Bento, que está na casa dos trinta anos, não imaginava se mudar sem convidar um padre para abençoar seu novo lar. Sob os olhos de sua esposa e filho, um padre oficializava e abençoava sua nova casa, cômodo por cômodo. “Ouve, na tua bondade, a oração dos teus servos, neste dia em que inauguram a sua nova casa…”. As orações que acompanham a aspersão da água benta são familiares ao sacerdote. Enraizadas na sabedoria da Igreja, essa liturgia vai ao encontro dos desejos dos fiéis, como aconteceu com essa família, que aproveitou a vinda do padre para confiar a Deus a sua nova casa, ou no caso de recém-casados que ousam convidar o seu pároco para a festa de casa nova.
Uma prática enraizada na liturgia do povo de Israel
Entre todas as bênçãos possíveis – um local de trabalho, um negócio, um carro, dentre outras – aquela invocada sobre uma casa tem uma importância particular. “Esta prática está enraizada na liturgia do povo de Israel, ela recorda o sangue do cordeiro pascal que os hebreus puseram à porta antes da fuga para o Egito”, explica o padre Emmanuel Roberge. Durante os primeiros séculos, tempo de perseguição, a fé era vivida dentro das casas na chamada domus ecclesiae, ou “Igreja doméstica”. A primeira liturgia cristã foi celebrada em casa.
Portanto, vemos que a casa é um lugar de importância singular e foi também espaço de testemunho em muitas passagens bíblicas, como na hospitalidade de Abraão ou nas visitas de Jesus a Marta, Maria e Zaqueu. Também ressoa a instrução de Jesus aos discípulos: “Em toda casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz a esta casa!” (Lc 10,5). Uma paz que se estabelece entre as paredes da casa e que se estende a todos que nela habitam. No dia da bênção de sua casa, “momento de graça, alegria e festa”, Marion e Luís convidaram suas respectivas famílias. “É uma forma de colocar o lugar onde viveremos nas mãos do Senhor e de proteger nossas famílias. Para nós é essencial”, testemunham os jovens pais.
Entre os cristãos, alguns desejam proteger e até mesmo libertar a sua casa de qualquer influência prejudicial à saúde. “Não sabemos necessariamente o que pode ter acontecido aqui antes da nossa chegada”, diz Bento. O padre Emmanuel Dumont, exorcista, recebe muitos pedidos desse tipo. “A casa é um local de combate espiritual, como toda a Igreja”, afirma. Quando venho abençoar uma casa, gosto de recorrer ao antigo ritual que traz a oração penitencial. Nele, pedimos perdão pelos próprios pecados e pelo que foi feito de errado naquele lugar. Também pode ser uma oportunidade de orar por aqueles que morreram nesse ambiente sem estarem preparados”. O sacerdote então usa água benta e sal, incenso e óleo para ungir portas e janelas.
Fórmulas algébricas inscritas em giz acima das portas
Quem aprende sobre os ritos de bênção descobre um tesouro de piedade popular escondido por séculos. Na França, em Calvados, podemos nos surpreender ao ver fórmulas algébricas inscritas em giz acima das portas: “20 + C + M + B + 18”. Resquício de uma tradição germânica ligada à Epifania. Essas iniciais correspondem à invocação “Christus mansionem benedicat”, ou “Cristo abençoe esta casa”, emoldurada pelos números do ano novo. Também lemos as iniciais dos três reis magos, Gaspar (ou Caspard), Melchior (ou Belchior) e Baltasar. “Os três reis magos vieram adorar o Menino Jesus e, ao regressarem ao seu país, espalharam pelo caminho a boa notícia da vida divina”, explica o padre Guilhem de la Barre.
De 6 a 13 de janeiro, o padre percorreu as estradas da Normandia, na França, para abençoar cerca de quarenta casas. Com giz, ele traçou essa inscrição acima de cada porta que encontrou. “A bênção das casas torna visível ao mundo que, através da sua encarnação, nosso Senhor Jesus Cristo, o Verbo feito carne, habitou entre nós e que age nas nossas vidas no quotidiano, na humildade da vida doméstica diária”. A Igreja propõe esta tradição no Diretório sobre a piedade popular e na liturgia. O dono da casa também pode conduzir pessoalmente esta liturgia familiar e escrever a fórmula apropriada a giz, previamente abençoado durante a Missa da Epifania.
Ao contrário do giz, a água benta não deixa marcas visíveis nas paredes. A casa, no entanto, permanece nas mãos de Deus. “Por isso, é muito importante deixar à mostra todos os ícones, imagens, Bíblias ou livros de oração”, lembra o Padre Emmanuel Roberge, “para mostrar claramente a presença do Senhor nesta casa”. São sinais que testemunham que a casa cristã é célula viva do corpo da Igreja.
Noémie Bertin