Uma mãe cercada de muitos, muitos filhos. Assim era a Santa Dulce dos Pobres quando, sem distinção e com amor incondicional, acolhia meninos e meninas abandonados. A missão do Anjo Bom do Brasil ia para além do atendimento no Hospital Santo Antônio: o olhar dela, que sempre esteve voltado para os mais sofredores, também conseguia perceber a necessidade das crianças, especialmente as que se encontravam sozinhas pelas ruas da capital baiana.
Um destes filhos é Raimundo José Araújo, atualmente coordenador do setor de Recursos Humanos das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID). Assim como muitas crianças, ele se lembra exatamente o momento em que passou a ser filho de Irmã Dulce. “Aos 10 anos eu fiquei órfão e minha mãe, já no leito de morte, pediu às minhas tias que não me deixassem ir morar com o meu padrasto. Uma das minhas tias conhecia Irmã Dulce e fez o pedido para ela. Então, em 10 de janeiro de 1979, minha tia me levou e eu fui acolhido pela Irmã Dulce como filho”, recorda.
As crianças acolhidas pela Santa Dulce dos Pobres moravam no antigo Orfanato Santo Antônio, atual Centro Educacional Santo Antônio (CESA), localizado no município de Simões Filho, distante 27,5 Km da capital baiana. “Ela nos visitava todas as quartas-feiras e todos os sábados. Nessas visitas ela era três em um: a mãe, quando ela chegava nos cobrando educação, frequência à escola, atividades, limpeza da casa, entre outras coisas; mais adiante ela virava religiosa, nos cobrando Primeira Comunhão, se já tinha rezado, se estava recitando o Terço, frequentando a Missa, como é que nós estávamos diante da condição da Igreja; e depois, como administradora, que era quando ela cobrava das pessoas que tomavam conta da gente. Eu não conseguia entender como ela dava conta, pois quando eu conheci a minha mãe, ela já tinha 65 anos e permanecia com toda a velocidade no fazer as coisas”, destaca.
Aconchego materno
Mas, você deve estar se perguntando: como deve ser ter uma mãe santa? Será que ela reclamava? Sem dúvidas! O amor materno de Irmã Dulce a fez querer, apenas, o bem dos meninos e das meninas que estavam sob a sua responsabilidade. “Ela não separava os filhos, não separava o negro do branco, o alto do baixo, enfim, todos eram filhos. E ela tinha o hábito de nos afagar de uma forma delicada. Ela baixava a cabeça da gente e colocava o queixo no nosso cangote. Eu não gostava muito de tirar fotos, mas hoje quando eu vejo as fotografias dela com os meus irmãos, percebo essa forma carinhosa”, diz.
Assim como Raimundo, Cícero de Jesus recorda com carinho e admiração o cuidado de Irmã Dulce. Acolhido com apenas 3 anos de vida, ele guarda na memória e no coração uma curiosidade: mamãe Dulce amava contar histórias, sugeria brincadeiras para animar a criançada e levava guloseimas para adoçar as tardes. “Todo domingo, Irmã Dulce escolhia 20 meninos para levar à praia da Boa Viagem e, certo dia, eu fui um dos escolhidos. Eu estava com muita fome e, quando o nosso grupo retornou da praia, passamos no hospital para almoçar”, rememora. Impaciente, o menino viu a cozinha aberta e colocou, escondido, um pedaço de carne na camisa, mas, felizmente, foi descoberto por uma religiosa e levado até Irmã Dulce. “Ela me pegou, me colocou no colo – eu estava chorando -, e me disse: ‘Filho, quando quiser alguma coisa, não pegue escondido, venha e me peça, porque eu sou a sua mãe’”, conta Cícero, emocionado.
O olhar no presente, mas também no futuro dos filhos, fez com que a Santa Dulce dos Pobres contribuísse, de forma direta, para a transformação social e humana de cada um deles. “Quando eu completei 18 anos, ela me perguntou se eu queria fazer o curso técnico de enfermagem. Mas, eu disse que não queria, ela entendeu e logo depois me convidou para trabalhar no próprio orfanato, tomando conta dos menores. Essa vivência com a Irmã foi tão importante para que eu me tornasse o homem que eu sou hoje”, diz Raimundo.
Assim como em qualquer lugar do mundo, para os filhos a mãe nunca há de faltar e Raimundo lembra com saudade e emoção o dia da morte da Santa Dulce dos Pobres. “Para mim, ela ia perpetuar. Eu não conseguia ter noção da ausência dela e veio o momento mais difícil que era dar a notícia, aos meninos menores, que ela tinha partido. Eu achava que as coisas iram mudar. Hoje, 29 anos depois, estamos com a instituição do jeito que ela sonhou, atendendo mais gente, o orfanato passou a ser uma escola de tempo integral. Naquela época eram 300 crianças e hoje nós conseguimos atender 800 crianças por ano. Eu tenho certeza que lá do céu ela olha e cuida de cada um de nós, de forma que não conseguimos explicar”, afirma Raimundo.
Com colaboração de Sara Gomes – Assessoria de Comunicação da Arquidiocese de Salvador
Fotos: Obras Sociais Irmã Dulce
Fonte: CNBB