A Congregação para a Doutrina da Fé publicou um valioso documento que trata de eclesiologia (doutrina sobre a Igreja). Bento XVI o aprovou e ordenou sua publicação. Tem como título «Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja». O importante documento, assinado aos 29 de junho de 2007, veio a lume aos 10 de julho do mesmo ano. A Congregação para a Doutrina da Fé já havia publicado alguns documentos sobre eclesiologia, como a Declaração «Mysterium Ecclesiae» (1973), a Carta «Communionis Notio» (1992), e a Declaração «Dominus Iesus» (2000).
O propósito é sempre o mesmo: oferecer luz e orientação aos católicos para que sejam fiéis às exigências da fé que receberam dos Apóstolos e não se percam em meio a teorias e opiniões sobre o mistério da Igreja que se fazem cada vez mais plurais e equivocadas nos últimos decênios, e, ao mesmo tempo, prestar um serviço à humanidade, apresentando-lhe o que a Igreja pensa sobre si mesma.
Nesse sentido, este último documento, ao afirmar que a Igreja de Cristo subsiste – existe integralmente – só na Igreja católica entregue a Pedro e a seus sucessores, não realiza um ato de vão orgulho ou de intolerância em relação aos cristãos não-católicos. A Santa Sé, ao recordar a doutrina de sempre, jamais abolida pelo Concílio Vaticano II, quer, humildemente, prestar um serviço aos católicos e a todos os homens de boa-vontade, pois a Igreja julga, em sua fé, que a verdade sobre o seu próprio mistério é um dom de Deus oferecido a cada homem e à humanidade como tal. Não é orgulho reconhecer uma dádiva de Deus; ao contrário, seria um ato verdadeiramente orgulhoso recusar um presente que se crê de todo coração ter recebido do Alto. Tampouco é intolerância, uma vez que a Igreja está aberta ao diálogo, reconhece tudo de bom que existe fora de seus quadros visíveis, e apenas está apresentando o que ela crê a respeito de si mesma.
Alguns talvez dirão irritados: “A Igreja católica ainda se julga detentora da verdade, mas a verdade como tal não existe”. De fato, o mundo contemporâneo acredita que a verdade é um fardo pesado demais para o homem, e que este jamais poderia ter acesso a ela. O homem seria incapaz da verdade, segundo a mentalidade atualmente dominante. Mas resta saber de que verdade se fala. Está certo que a verdade sobre os fenômenos freqüentemente nos escapa, pois somos condicionados por diversos fatores, entre os quais a nossa limitada capacidade de verificação empírica. Mas isso não quer dizer que sejamos incapazes da verdade básica, de uma visão certa sobre o fundamento da existência, sem a qual nossa vida haveria de ser tida como um verdadeiro absurdo. Aliás, os que sustentam que não há verdade básica alguma caem em fragorosa contradição, pois pretendem que esta sua afirmação – “não há verdade” – seja basicamente verdadeira. Ademais, a Igreja católica professa ser depositária de uma revelação divina, não construída por mãos humanas, cuja verdade deve guardar e propagar.
O teor do documento de Roma prima pela sinceridade e transparência. Não esconde o que a Tradição bimilenar da Igreja sempre professou. Apóia-se no depósito que nos foi legado pelo testemunho de fé dos antigos, a saber: a) Cristo quer continuar a sua obra neste mundo e, para tal, fundou a sua Igreja, que conta com os elementos indispensáveis à sua missão; b) destarte, há uma ligação intrínseca entre Cristo e a Igreja, uma vez que Cristo quer fazer-se presente através de seu Corpo Místico; c) assim, a Igreja não é um mero acessório no conjunto do Plano de Deus, pois este Plano é sacramental, isto é, realiza-se de tal modo que o Invisível nos alcança pelos sinais visíveis escolhidos por Cristo; d) esta Igreja, sacramento universal da salvação – «universale sacramentum salutis» (Lumen Gentium, 48) -, perdura integralmente só na Igreja católica confiada a Pedro e a seus sucessores, de modo que a Igreja querida por Cristo existe concretamente na história, como, aliás, jamais deixou de existir ou deixará segundo a promessa do evangelho (cf. Mt 16,18).
O que Roma quer deixar claro, apoiando-se em citações das próprias atas conciliares, é que o Concílio Vaticano II jamais pretendeu mudar essa veneranda Tradição, como dão a entender certos teólogos que apregoam uma Igreja pré-conciliar e outra, substancialmente diversa, pós-conciliar. O Concílio não mudou a doutrina sobre a Igreja, nem poderia fazê-lo, mas tão somente a aprofundou realçando-lhe certos aspectos. Se usou a expressão «subsistit in» (subsiste em) em vez do tradicional «est» (é) para falar da identificação da Igreja de Cristo com a Igreja católica confiada a Pedro, não foi com a intenção de negar tal identificação, mas de, professando firmemente a doutrina tradicional, abrir-se ao reconhecimento de que fora dos quadros visíveis da mesma Igreja católica há verdadeiros elementos eclesiais, embora não em sua plenitude. Em outras palavras, há uma única subsistência da verdadeira Igreja de Cristo. A unicidade da Igreja o exige. Mas fora dessa única subsistência visível não há o vazio eclesial; há elementos da verdadeira Igreja fora da Igreja católica, em maior ou menor número conforme a Igreja ou a Comunidade eclesial, elementos esses que, por pertencerem à Igreja de Cristo subsistente na Igreja católica, impelem à unidade católica (cf. Lumen Gentium, 8).
Desse modo, a Igreja católica segue seu caminho, “entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus” (S. Agostinho), anunciando o mistério de Cristo, do qual ela tem consciência de fazer parte nos termos acima apontados. Ainda que seja incompreendido, o Magistério pontifício, com humildade, propõe a verdade sobre Cristo e sua Igreja. Não a impõe a ninguém, mas a anuncia para prestar um serviço ao dom de Deus feito à humanidade. E ninguém pode tirar o direito da Igreja de tratar de sua própria consciência, daquilo que é de sua competência específica. Estamos com Bento XVI e, igualmente, abertos ao diálogo sincero e fraterno.