Quem conhece os evangelhos sabe que eles narram a história de um jovem casal, que teve de sair de Nazaré da Galileia com destino à Belém da Judeia, para o recenseamento decretado por César Augusto. Para eles, aqueles dias não foram nada fáceis. Uma mulher grávida sentia os incômodos de uma longa viagem sobre um jumento. Um jovem carpinteiro tinha os pés cansados de um longo e rude caminho. Esse casal, ao chegar em Belém, teve a sorte dos migrantes que não encontram casas ou hospedarias. Foi lhes dada a oportunidade de se protegerem do frio daquela noite de inverno em um lugar onde animais se refugiavam. E a criança remexeu no ventre da jovem mãe e quis nascer naquela noite. Não havia parteiras como outrora no Egito ou como foi costume entre tantos povos. Aquele casal – Maria e José – se desdobrou de cuidados para logo acalentar nos braços o esperado bebê. Seu nome: Jesus. Aquela noite da natividade do Menino Deus tornou-se para os cristãos a referência para se celebrar, a cada ano, o Natal do Senhor.
Essa data se aproxima novamente. Desta vez terá a marca da pandemia do novo coronavírus, que no Brasil, desde o mês de março, já ceifou a vida de mais de 180 mil brasileiros. Em diversos locais as igrejas não poderão acolher todos os fiéis para cantar solenemente o “Gloria in excelsis Deo”. Dezenas de milhares de famílias sentirão a ausência de alguns de seus membros para desejar feliz natal. Paira sobre inúmeras casas a tristeza de ter vazio um ou mais lugares à mesa natalina. O distanciamento, ainda tão necessário, parece anunciar uma noite menos feliz, privada de presenças, de abraços, de beijos, de proximidade.
O presente, dessa vez, esperado por milhões em todo o mundo, é a vacina, a fim de imunizar as populações. Cientistas e pesquisadores, laboratórios e governos sérios correm contra o tempo para fazer chegar em cada canto a chance das pessoas não sucumbirem à ameaça de um vírus que fez de 2020 um ano atípico, com um espectro de perdas irreparáveis, difícil para todos, especialmente para os mais pobres e para as pessoas que integram grupos de risco.
O mundo inteiro vive da esperança de superar a pandemia. Aqui e acolá se fala, se discute, se debate, se escreve sobre os aprendizados desse tempo. Quem atravessa essa situação alguma lição há de ter aprendido. Talvez uma delas seja a importância de uma vida simples e despojada, qual oportunidade de buscar o essencial nas relações interpessoais, no trabalho, na construção do futuro. E quem ainda não se deu conta de que a pandemia traz consigo lições, pode encontrar na celebração do Natal uma luz para ver de modo diferente a própria vida. Basta recordar-se daquela noite em Belém, quando distante das benesses do poder e da riqueza, nascia Jesus, mais tarde o Galileu, cuja vida e ensino nunca foram esquecidos. Sua mensagem mudou o rumo de vida de muita gente, que apostou e aposta nos valores que ele viveu e ensinou. Quando neste Natal você fizer algum gesto em tom de comemoração, pergunte-se por essa “Noite feliz” que rompeu a escuridão do mundo para apresentar aquele que a todos ilumina com sua paz, seu amor, sua amizade, sua vida ofertada… É dessa noite que brota um estilo de vida feliz, muito diferente das promessas do exagerado consumo e do prazer sem limites.
Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros (MG)
Fonte: CNBB