Vamos levando a vida sem permitir que Deus esteja realmente presente nela
Não pretendo falar do secularismo em geral, mas do secularismo dos próprios católicos, dentro da Igreja, porque é evidente que, se ele não existisse, a sociedade não teria seguido ao longo da história este caminho de afastamento de Deus – ou, pelo menos, não na proporção que esse afastamento atingiu. A origem dos danos, por conseguinte, está entre nós mesmos e continua viva e atuante, apesar das diversas respostas, em muitos casos acertadas.
Os movimentos eclesiais, implícita ou explicitamente, foram respostas a esse problema interno. Ao dizer isso, não estou menosprezando a força da dinâmica social. É evidente que não. Mais uma vez, refiro-me e teorizo sobre a sociedade desvinculada. A sociedade em si tem uma ontogênese cristã, que pode remontar a São Paulo e Santo Agostinho, e que consiste na descoberta do valor da consciência pessoal, da subjetividade. Mas, na lógica cristã, esta subjetividade se encontra delimitada pela relação com Deus e, quando este vínculo se rompeu, principalmente a partir do Iluminismo, o subjetivismo se desenvolveu como uma torrente imparável e arbitrária.
Voltando ao centro da questão, quero destacar que o que nos falta é algo muito elementar e ao mesmo tempo difícil de conseguir, aquilo que os mestres da oração procuram e que faz parte da riqueza comum dos grandes Padres da Igreja: viver e agir na presença de Deus. Em outras palavras, a ruptura interior, o secularismo católico, são maneiras de viver o cotidiano, individual ou coletivo, sem que se esteja na presença de Deus.
Quando as aulas de uma escola ou universidade católica não começam com uma oração ou algum tipo de referência a Deus, estão declarando que não existe nenhuma diferença entre essas instituições e as do âmbito laico ou mesmo ateu. Estão dizendo que Deus não existe; e não basta enunciar a Sua existência em algum documento cuidadosamente guardado ou em declarações oficiais. Deus só existe em nosso coração quando permitimos que Ele viva todos os dias, em cada ato cotidiano.
Não existe um momento específico para Deus, pois a vida toda é orientada a Ele. E isso é difícil para uma consciência acostumada com o pecado, para um espírito que não foi alimentado previamente com a satisfação que essa presença proporciona; por isso, o católico acaba fugindo desta necessidade, enganando a si mesmo e se comportando como se Deus não existisse, apesar dos enfeites religiosos que pode usar na sua forma de viver.
Viver na presença de Deus tem muitas consequências, mas há uma que se destaca e afeta a vida coletiva: a comunhão entre as pessoas. Deus se faz presente na medida em que somos capazes de fazer essa comunhão surgir. E, na proporção em que a comunhão é substituída pelo nada ou pelo enfrentamento, a ausência de Deus é notável.
Quando falamos de comunhão, que é um estágio superior, falamos também de construção da comunidade, que é o melhor antídoto para a sociedade desvinculada. Construir comunidade com todos aqueles com quem compartilhamos uma memória, um projeto, uma vida; comunidade na escola, no trabalho, na política – e nesta última, até mesmo entre os opostos, existe ou deveria existir um vínculo forte, uma união construída pela vontade de buscar o melhor para a pólis. Isto se chama amizade cívica, virtude apontada por Aristóteles para o bom governo da cidade. Poderíamos traduzir isso, mais ou menos, como concórdia.
Uma última reflexão diz respeito ao fato de que, em nossa época, a resposta política e econômica precisa ser buscada precisamente na teologia. Em um mundo secularizado radicalmente, como o nosso, só esta forma de pensar, esse instrumento intelectual, nos leva a conceber as respostas às necessidades humanas a partir da presença de Deus, buscando a perspectiva de Deus. (Aleteia, 20 Jul 2020).