O Cardeal Antônio Cañizares, prefeito da Congregação para o Culto Divino, concedeu uma entrevista muito interessante ao vaticanista Paolo Rodari. O Cardeal, entre outras coisas, fala da necessidade de fazer nascer na Igreja um novo movimento litúrgico. Aliás, Bento XVI, quando ainda era o Cardeal Ratzinger, publicou um livro – Introdução ao espírito da liturgia – no qual expressa o seu desejo de que na Igreja aconteça um novo movimento litúrgico. Assim, vê-se bem a comunhão de ideias e propósitos que une o Cardeal Cañizares a Bento XVI.
A necessidade de um novo movimento litúrgico se impõe aos tempos atuais porque, hoje talvez mais do que nunca, a autêntica sensibilidade litúrgica corre o sério perigo de esvair-se da consciência dos fiéis em geral. O Cardeal Ratzinger, no seu Introdução ao espírito da liturgia, diz que o tesouro litúrgico da Igreja assemelha-se, nos tempos atuais, a um afresco que corre o risco de desaparecer em virtude da afluência agressiva daqueles que frequentemente o tocam com mãos insensíveis. O afresco, para ser protegido, não pode, evidentemente, ser escondido ou distanciado do Povo de Deus, mas é urgente criar meios para protegê-lo de uma agressividade descabida. E o grande meio de protegê-lo consiste em impulsionar, em toda a Igreja, na hora presente, um verdadeiro movimento litúrgico que nos torne mais conscientes do riquíssimo tesouro da liturgia e, assim, mais aptos a celebrar o culto divino como convém e a acolher a “vida” que Deus nos comunica por meio das ações litúrgicas da Igreja, Esposa de Cristo.
Bento XVI tem provocado, como pode, o tão almejado novo movimento litúrgico, sobretudo com seu exemplo. O modo de o Papa celebrar, a sua piedade e reverência para com os sagrados mistérios, a reivindicação por palavras e gestos da centralidade de Deus no culto, o resgate de signos litúrgicos pertencentes à rica tradição da Igreja, a colocação do crucifixo no centro do altar etc, tudo isso tem já causado uma boa impressão em bispos e padres que, interiormente robustecidos, procuram seguir os passos do Vigário de Cristo na terra em sua luta contra a secularização da liturgia.
Na belíssima homilia da noite de Natal, Bento XVI disse: “A liturgia é a primeira prioridade. Todo o resto vem depois”. E convidou a “colocar em segundo plano outras ocupações, por mais importantes que sejam, para nos encaminhar para Deus, para deixar que Ele entre em nossa vida e em nosso tempo”. Creio que a grande chave interpretativa do pontificado de Bento XVI seja a “primazia de Deus”, primazia que se deve manifestar, antes de tudo, na ações sagradas da liturgia.
Vejam-se alguns trechos da entrevista do Prefeito da Congregação para o Culto Divino:
“Só uma Igreja que viva da verdade da liturgia será capaz de dar o único que pode renovar, transformar e recriar o mundo. Deus; só Deus e sua graça. O mais próprio da liturgia é a presença de Deus.. A liturgia é obra salvífica e regeneradora de Deus, comunicação e participação de seu amor misericordioso, adoração, reconhecimento de Deus. É o que simplesmente nos pode salvar”.
“Não podemos esquecer-nos de que a reforma liturgia e o pós-concílio coincidiram com um clima cultural marcado ou dominado intensamente por uma concepção do homem como “criador”, o que dificilmente está em sintonia com uma liturgia que é, sobretudo, ação de Deus e prioridade de Deus, direito de Deus e adoração de Deus, e também tradição que recebemos, aquilo que nos foi dado para sempre”.
“A liturgia, nos não a fazemos; não é nossa obra, mas de Deus. A concepção do homem “criador” conduz a uma visão secularizada de tudo, em que Deus, com freqüência não tem lugar. A paixão pela mudança e a perda da tradição ainda não foram superadas”.
Por: Pe. Elílio de Faria Matos Júnior
Vigário Paroquial da Paróquia Bom Pastor
Juiz de Fora, MG